Postado em: - Área: Contabilidade geral.
Os arts. 183 e 184 da Lei das Sociedades por Ações fazem referência a elementos de ativos e passivos da entidade. Como esses artigos interagem com a apuração do resultado de uma entidade?
Embora a redação da Lei mencione claramente os ajustes para saldos de ativos e passivos, esses ajustes têm relação direta com as transações de compra e venda que envolvem, preponderantemente, as contas do resultado do exercício (por exemplo, AVP de transação devendas e o respectivo saldo das contas a receber). Nesse caso, considerando que o reflexo do AVP de determinado saldo ativo ou passivo tenha contrapartida direta em conta do resultado do exercício, o AVP também afeta essas linhas do resultado (que é o caso específico da receita bruta versus o registro do saldo de contas a receber).
Para ilustrar essa questão, veja-se o cenário a seguir:
Cenário: operação de venda com prazo de seis meses para recebimento, com as seguintes características:
Observe-se que o AVP guarda relação com a operação de financiamento das contas a receber em seu todo ($ 100) e não somente sobre o saldo, depois de deduzidos os impostos a recuperar. A entidade, ao conceder prazo para o recebimento, está financiando o cliente. Nesse caso, a base para o cálculo do AVP é o valor que está sendo financiado, ou seja, o valor total da nota fiscal ($ 100).
No exemplo anterior, assumindo que uma boa referência do valor presente da transação seja o valor de venda a vista, a contabilização da transação a prazo ficaria da seguinte forma:
a) No vendedor:
Débito - Contas a receber - $ 80
Crédito - Receita de vendas - $ 80
Débito - Despesa com ICMS (1) - $ 10
Crédito - ICMS a pagar - $ 10
Com o passar do tempo, a diferença ($ 20) entre o valor presente das contas a receber ($ 80) e o valor que será recebido no final de seis meses ($ 100) é apropriada ao resultado do período como receita financeira, utilizando o método da taxa efetiva de juros.
b) No comprador:
No lado do comprador, ao contrário do vendedor, a taxa de juros imputada pelos seus fornecedores não é conhecida e a tarefa de determinação de qual taxa utilizar se torna mais complexa, mas deve ser estimada tomando-se por base a carteira de fornecedores como um todo.
Débito - Estoques - $ 70
Débito - ICMS a recuperar - $ 10
Crédito - Contas a pagar - Fornecedores - $ 80
A diferença ($ 20) entre o valor presente das contas a pagar ($ 80) e o valor que será pago no final de seis meses ($ 100) é apropriada ao resultado do período como despesa financeira, utilizando o método da taxa efetiva de juros.
Essa questão da reclassificação da parcela do ICMS calculada sobre os juros embutidos na operação para o resultado financeiro comercial altera o lucro bruto, o resultado financeiro e também o LAJIDA (ou EBITDA, na sigla em inglês, se a entidade faz uso dessa medida não contábil). Dessa forma, essa questão pode ser relevante para algumas entidades. Qualquer que seja o método utilizado, ele deve ser divulgado em nota explicativa para melhor entendimento do usuário das demonstrações contábeis e aplicado de maneira consistente ao longo dos exercícios.
O quadro a seguir ilustra esses efeitos, depois de decorrido todo o período desde a venda até o recebimento, com apropriação dos juros no prazo da transação:
ICMS sem segregação | ICMS com segregação entre a parcela sobre venda e a parcela sobre receita financeira |
---|---|
Receita de vendas ___ 80 Deduções de vendas - ICMS ___ (10) CPV ___ (50) Lucro bruto ___ 20 Receita financeira ___ 20 Lucro antes do IR/CS ___ 40 |
Receita de vendas ___ 80 Deduções de vendas - ICMS ___ (8) CPV ___ (50) Lucro bruto ___ 22 Receita financeira ___ 20 ICMS sobre receita financeira ___ (2) Lucro antes do IR/CS ___ 40 |
Esse mesmo conceito é aplicável para os demais tributos incidentes sobre venda, tais como IPI, PIS e COFINS.
Para algumas entidades, a diferença ($20) entre o valor presente das contas a receber ($80) e o valor que será recebido no final de seis meses ($100) poderá ser apropriada como receita financeira comercial, no mesmo grupo que as receitas de vendas, em lugar de receita financeira, desde que a entidade demonstre que o financiamento feito a seus clientes faça parte de seus negócios e que opera com, por exemplo, dois segmentos: (i) venda de produtos e serviços e (ii) financiamento das vendas a prazo. Essa demonstração poderá ser evidenciada por meio da combinação de algumas das seguintes circunstâncias (na entidade e/ou por ocasião da preparação das demonstrações contábeis): a atividade financeira é parte de seus negócios; previsão da atividade de financiamento no estatuto da entidade; organização e condução da atividade de financiamento como um segmento operacional distinto; portfólio de serviços como oferta de crédito pessoal e outros serviços correlatos a todos os seus clientes etc. Observada essa situação, os custos financeiros com terceiros, decorrentes dos passivos (tais como fornecedores e financiamentos) utilizados como funding para sustentar a carteira de valores a receber de clientes, deverão também compor o custo das receitas com vendas, para uma adequada apuração da margem bruta. Nesses casos, tanto a receita, quanto o custo, devem ser apresentados por segmento de negócios.
Nota:
(1) Há discussão quanto à necessidade de reclassificar, no caso do vendedor, a parcela do ICMS calculada sobre os juros embutidos na operação para o resultado financeiro comercial. Se, por um lado, a justificativa de não efetuar o desconto a valor presente para o ICMS decorre do fato de este ser utilizado para apuração já no próprio mês da transação, por outro, essa reclassificação parte do pressuposto de que o ICMS incide também sobre os juros embutidos em uma operação de venda financiada. Esse aspecto também deve ser avaliado, levando-se em consideração a materialidade dos montantes envolvidos.
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