Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.

Resposta à Consulta nº 28.707, de 29/11/2023

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 28707/2023, de 29 de novembro de 2023.

Publicada no Diário Eletrônico em 01/12/2023

Ementa

ICMS - Substituição tributária - Industrialização por encomenda - Predominância dos insumos e materiais empregados - Tratamento tributário.

I. Não é aplicável a disciplina da industrialização por conta de terceiro às operações em que o estabelecimento contratado utiliza matéria-prima própria, configurando-se a industrialização por encomenda.

II. A retenção antecipada do imposto, por substituição tributária, deve ser integralmente efetuada pelo estabelecimento fabricante paulista, ainda que por encomenda de outra empresa.

Relato

1. A Consulente, cuja única atividade econômica declarada no Cadastro de Contribuintes do Estado de São Paulo - CADESP é a "fabricação de abrasivos" (CNAE 23.99-1/02), informa que fabrica e comercializa produtos de fibras não-tecido abrasivas e não abrasivas para a limpeza doméstica, profissional e para aplicação na indústria. Seus produtos consistem principalmente em esponjas, discos para tratamento de piso, fibras de limpeza, mantas filtrantes, escovas, rodas e folhas para aplicação industrial.

2. Acrescenta que pretende importar dois tipos de matéria-prima que integram seu processo de fabricação, mas também poderão ser revendidas a possíveis clientes. No entanto, há casos em que o cliente, além de comprar as matérias-primas, também tem interesse que a própria Consulente realize a industrialização do produto, de forma que matéria-prima não seria retirada do estabelecimento da Consulente.

3. Desse modo, questiona se, mesmo que forneça a matéria-prima, ainda é aplicável a sistemática de industrialização por conta de terceiros. Adicionalmente, indaga como devem ser emitidas as respectivas Notas Fiscais.

Interpretação

4. Inicialmente, não há informações se os seus clientes enviam algum insumo para a Consulente além dos que adquirem dela, de modo que, nesta resposta, adotaremos a premissa de que a Consulente fornece todas as matérias-primas utilizadas na industrialização. Adicionalmente, consideraremos que as operações tratadas são internas, de forma que todas as empresas envolvidas estão no Estado de São Paulo.

5. Ainda em caráter preliminar, conforme artigo 313-K do RICMS/2000 combinado com o Anexo XIII da Portaria CAT 68/2019, cabe destacar que os produtos de limpeza ali indicados, conforme NCM e descrição, estão sujeitos ao regime de substituição tributária. Assim, uma vez que a Consulente não especifica detalhadamente os produtos que fabrica, adotaremos a premissa de que estão sujeitos ao regime de substituição tributária.

5.1. Caso a Consulente verifique que as premissas adotadas não são verdadeiras, poderá formular nova consulta tributária, esclarecendo, de forma completa e exata, a matéria de fato.

6. Esclarecemos também que não é toda industrialização por encomenda que pode ser classificada como uma industrialização por conta de terceiro, sendo esta uma espécie daquele gênero. Desse modo, tendo o instituto da industrialização por conta de terceiro uma abrangência mais restrita, não é toda e qualquer industrialização por encomenda que pode se valer da disciplina legal dos artigos 402 e seguintes do RICMS/2000.

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7. Com efeito, na acepção clássica do instituto da industrialização por conta de terceiro, visualizou-se a situação em que o autor da encomenda fornece todas - ou, senão, ao menos, as principais - matérias-primas empregadas na industrialização, enquanto ao industrializador cabe o fornecimento essencialmente da mão de obra, apenas com eventual acréscimo de alguma matéria-prima secundária. E essa é a hipótese normatizada pelos artigos 402 e seguintes do RICMS/2000.

8. Sendo assim, no instituto da industrialização por conta de terceiro, criou-se uma ficção legal, aproximando-se o autor da encomenda da industrialização e tratando-o como industrializador legal para fins do ICMS, de modo que tudo se passa como se a industrialização fosse feita pelo próprio autor da encomenda, isto é, como se ele adquirisse as mercadorias empregadas no processo de industrialização e se creditasse do respectivo imposto. Dessa forma, essa sistemática pressupõe a remessa, pelo autor da encomenda, se não de todos os insumos, de parcela substancial, cabendo ao industrializador a aplicação de mão de obra e, eventualmente, de outros materiais secundários.

9. Diferentemente, nos casos de industrialização por encomenda, em que o industrializador fornece as matérias-primas substanciais a serem aplicadas na industrialização, sem intermédio do autor da encomenda, não há que se falar na sistemática dos artigos 402 e seguintes do RICMS/2000, recaindo-se nas regras ordinárias do ICMS.

10. Portanto, conforme entendimento consolidado desta Consultoria Tributária, expresso nas Respostas às Consultas 22442/2020, 23722/2021 e 26562/2022 (disponíveis em https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx), o simples envio de insumos acessórios, do encomendante para o estabelecimento industrializador, não é condição suficiente para configurar a operação como de industrialização por conta de terceiro, já que esse simples feito não pode desvirtuar o instituto, invertendo-se, assim, o polo passivo responsável pelo adimplemento da obrigação tributária - tratando-se no caso, inclusive, do recolhimento do ICMS-ST.

10.1. Assim, no caso em que o industrializador fornece todos ou parte substancial dos insumos a serem utilizados em seu processo industrial, o realiza por conta própria. A circunstância de receber do encomendante insumos secundários, ainda que envolvidos no processo industrial, não transmuta a operação para uma industrialização por conta de terceiro.

11. Neste contexto, deve-se dizer que, tomando-se por base as informações apresentadas, no entendimento deste Órgão Consultivo, a contratação da industrialização em separado da aquisição das matérias-primastem característica meramente formal, já que essa venda existe única e exclusivamente em função da operação de industrialização subsequente.

11.1. Destaque-se, nesse ponto, que, em que pese a autonomia da vontade e a livre iniciativa, cabe aos particulares, no exercício regular de suas atividades, zelar pela lisura das práticas negociais, sob a observância da boa-fé e da função social do contrato.

12. Com relação ao presente caso, são valorosos os ensinamentos de Marco Aurélio Greco (Planejamento Tributário: Nem Tanto ao Mar Nem Tanto à Terra. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário: 10º Volume. São Paulo: Dialética, 2006. p. 328-329), no sentido de ser necessária a verificação das razões que ensejam a eleição de determinada estrutura de negócio, por parte do contribuinte, para que se considere seus devidos efeitos tributários, como se verifica em análise do trecho abaixo:

"As manifestações de vontade não existem isoladas no tempo e no espaço. Surgem em função de uma situação que as antecede e busca-se com elas obter determinado resultado. Assim, o relevante em determinada operação (além do atendimento à legalidade e da inocorrência de patologias) é a justificação que se encontra em seu contexto, o que abrange:

I) a existência de motivo e finalidade não predominantemente tributários;

II) a congruência da manifestação de vontade (e do perfil do negócio) em relação ao motivo e à finalidade; e

III) a função - dentro do empreendimento econômico - a que se destina a operação.

Portanto, o essencial não é singelamente existir menor carga tributária, como efeito de certo negócio, mas examinar a justificação da conduta que teve aquele efeito tributário.

Questionável é a obtenção da menor carga sem justificativa que não essa busca (a redução pela redução), geralmente acompanhada da invocação veemente de uma liberdade absoluta e de uma liberdade individual levada às alturas que ignora (ou pior, desconsidera) a inserção global em que a ação se desenvolve."

13. Como se verifica, há posicionamento doutrinário no sentido de que deve-se inferir o real propósito desejado pelas partes envolvidas para que se defina o apropriado tratamento tributário aplicável.

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14. Sob essa ótica, recorda-se que os tributos não incidem sobre as disposições contratuais em si, tal como acordado pelas partes, mas sobre o fato econômico subjacente. Sendo os contratos meras qualificações jurídicas do fato, dadas pelas partes, essa qualificação pode se mostrar precária em relação a terceiros, especialmente em relação ao Fisco, sobretudo quando o fato econômico subjacente não corresponder à qualificação contratual dada pelas partes.

14.1. Assim, no procedimento fiscalizatório, cabe a persecução da verdade material subjacente às disposições privadas, isto é, cabe ao Fisco a persecução dos fatos jurídicos que efetivamente tenham ocorrido. E, em decorrência disso, o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional permite a desconsideração dos atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

15. Desse modo, a situação exposta pela Consulente não se configura como industrialização por conta de terceiro, posto que a industrialização é efetuada com matéria-prima predominantemente fornecida pelo industrializador, ainda que com dois contratos separados, não se subsumindo ao tratamento tributário previsto para este regime nos artigos 402 e seguintes do RICMS/2000 e na Portaria CAT-22/2007. Sendo assim, o cliente da Consulente é, para fins tributários, considerado comerciante e não fabricante de produtos de limpeza.

16. Não sendo aplicáveis as regras de industrialização por conta de terceiro, as saídas de mercadorias serão regularmente tributadas, podendo os agentes envolvidos se aproveitar do crédito do imposto, desde que respeitadas as regras estabelecidas nos artigos 61 e seguintes do mesmo Regulamento. Assim, nas saídas internas do produto acabado do estabelecimento da Consulente com destino ao encomendante deve ser utilizado o CFOP 5.401 (venda de produção do estabelecimento em operação com produto sujeito ao regime de substituição tributária) e não os CFOPs relativos ao retorno de mercadoria utilizada na industrialização.

17.Quanto à substituição tributária, informamos que a Consulente, estabelecimento fabricante localizado no território paulista, na saída das mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária, com destino ao estabelecimento do encomendante, é a responsável pela retenção e pelo pagamento do imposto incidente nas saídas subsequentes.

18. Diante do exposto, consideramos respondidos os questionamentos apresentados pela Consulente.

Nota:

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Base Legal: Resposta à Consulta nº 28.707, de 29/11/2023.

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