Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.
Publicada no Diário Eletrônico em 24/05/2022
ICMS - Prestação de serviço de saúde nutricional ofertado em conjunto e em separado à comercialização de balança de bioimpedância.
I. Não se verifica relação de subordinação e dependência na oferta agregada de prestação do serviço com o fornecimento de mercadoria, na hipótese em que a mercadoria não é indispensável à prestação do serviço e possui utilidade intrínseca e autônoma.
II. No caso em tela, a balança de bioimpedância deverá ser tributada pelo ICMS, tanto na hipótese de ser comercializada em separado, quanto nos casos em que for comercializada em conjunto com a contratação do plano nutricional (sobre o qual incidirá, em tese, o ISS), observadas as regras gerais previstas na legislação do imposto estadual para o fornecimento de mercadorias, não sendo aplicável a disciplina referente a bonificação ou doação.
1. A Consulente, que exerce a atividade principal de treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial (CNAE 85.99-6/04), e que tem como atividades secundárias o comércio varejista de produtos alimentícios em geral ou especializado em produtos alimentícios não especificados anteriormente (CNAE 47.29-6/99) e o comércio varejista especializado de eletrodomésticos e equipamentos de áudio e vídeo (CNAE 47.53-9/00), apresenta dúvidas relacionadas à importação de balanças que serão fornecidas aos seus clientes.
2. Informa que atua no segmento de "performance pessoal", tendo desenvolvido um aplicativo para acompanhamento da saúde nutricional de seus clientes, cujo valor é "cobrado através de serviço - licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação".
3. Acrescenta que para esse atendimento é fundamental adquirir uma balança específica de um parceiro internacional, sendo necessária a emissão de "DUIMP (Documento Único de Importação)" para internalização do produto (importação direta) e que fez a inserção das atividades comerciais (CNAE 47.29-6/99 e 47.53-9/00) por indicação do despachante aduaneiro para que pudesse importar a referida balança.
4. Explica que "no instrumento particular firmado com o cliente, o valor cobrado é exclusivamente em relação à cessão do direito de uso do aplicativo, não havendo ônus em relação à balança" e que, por questões de custo, pensa em fornecer essa balança a título de doação ou bonificação. Todavia, verificou que a doação tem como característica "a mera liberalidade da concessão em definitivo de algo (...) sem prospectar benefícios econômicos", situação que afirma não se aplicar ao seu caso. Por consequência, a Consulente trata tributariamente sua operação como bonificação (apesar de terem o mesmo CFOP).
5. A Consulente fornece, ainda, as seguintes informações solicitadas quando da Resposta à Consulta Tributária 25240/2022 (declarada ineficaz):
5.1. "A Consulente disponibiliza um aplicativo que contém direcionamentos ao cliente (exercícios, periodicidade, horas de repouso, cronograma alimentar, etc.) a fim de cumprir com o objetivo desejado, seja de emagrecimento ou ganho de massa muscular, o acompanhamento é feito através do próprio aplicativo e da balança específica, onde há uma sinergia/troca de informações entre ambos";
5.2. "Há diferença nos planos oferecidos, mas em relação ao atendimento e não ao serviço prestado, por exemplo, um cliente pode optar por um pacote específico onde ele pode contatar um profissional a qualquer momento, no entanto a balança é incluída em qualquer plano";
5.3 "A balança fornecida não é fabricada apenas para a Consulente, mas o programa vendido até o momento depende do uso específico desta balança";
5.4. Não existe a possibilidade de essas balanças serem comercializadas separadamente aos planos oferecidos "já que se trata de uma balança específica para essa finalidade (produto x serviço)"; e
5.5. A Consulente não fornecerá outras mercadorias em razão da atividade secundária de comércio varejista declarada, afirmando que "fornecerá única e exclusivamente as balanças e o acesso ao aplicativo".
6. Diante exposto, a Consulente apresenta as seguintes dúvidas:
6.1. Se é possível escriturar o crédito na importação direta, levando em consideração que a operação de bonificação é tributável pelo ICMS (inciso I do artigo 2º do RICMS/2000);
6.2. Se existe vedação em escriturar a entrada com o CFOP 3.102, adotado na importação em razão das atividades comerciais (CNAE 47.29-6/99 e 47.53- 9/00), e a saída com os CFOPS 5.910 e 6.910;
6.3. Se a base de cálculo da operação de saída das balanças é o valor de custo de aquisição, visto que não haverá benefício econômico na transação com a balança; e
6.4. Se é possível a manutenção do crédito em caso de apuração de saldo credor, ou se há necessidade de fazer o estorno dos créditos.
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7. Antes de se adentrar na situação de fato narrada pela Consulente, são necessárias algumas considerações teóricas sobre o tema.
8. Nos casos de supostos conflitos de competência tributária (como no caso relatado), esse órgão consultivo tem expedido o entendimento de que a Constituição Federal de 1988, em linhas gerais, repartiu entre os entes federativos a competência da tributação sobre o consumo em função da etapa do ciclo econômico em que a atividade se encontra: industrial (União); comercial (Estados e Distrito Federal); e prestação de serviços (Municípios e Distrito Federal).
9. Desse modo, a Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu artigo 155, inciso II, que aos Estados compete a tributação sobre as operações relativas à circulação de mercadoria e sobre a prestação dos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação e, em seu artigo 156, inciso III, que aos Municípios compete a tributação sobre os serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, inciso II, e definidos em lei complementar.
10. Diante disso, dois requisitos mínimos são exigidos para que se considere determinada prestação de serviço abrangida pela competência municipal: (i) o serviço não pode estar compreendido no campo de incidência do imposto estadual; e (ii) o serviço deve estar previsto em lei complementar.
11. Nesse sentido, observa-se que a Lei Complementar nº 116/2003 estabelece que o ISS tem como fato gerador a prestação de serviços constantes de sua lista anexa. No entanto, há de se ressaltar que a lista anexa à Lei Complementar e sua aplicação sobre o fato em concreto deve ser interpretada à luz da Constituição Federal, uma vez que, por óbvio, a legislação infraconstitucional não pode contrariar as disposições constitucionais.
12. Sendo assim, uma atividade essencialmente comercial, ainda que fornecida em conjunto com a prestação de serviço, não ser pode considerada, por inteiro, como uma prestação de serviço. Isso porque considerar uma atividade econômica essencialmente comercial como inserida no campo de competência municipal representaria um desvirtuamento do próprio texto constitucional, que expressamente insere a circulação de mercadoria no campo de competência estadual (ICMS).
13. Nesse prisma, para solucionar conflitos de competência tributária envolvendo a incidência de ICMS ou ISS quando o fornecimento de mercadoria a consumidor final ocorre em conjunto com prestação de serviço, conforme amparado por jurisprudência dos tribunais superiores, um dos critérios utilizados envolve a análise da preponderância entre o dar e o fazer. Assim, nos casos em que há a preponderância da obrigação de dar, a atividade imaterial prestada seria meramente acessória à obrigação de dar. Já para os casos em que há a preponderância do fazer, as mercadorias fornecidas são, na verdade, meros insumos utilizados para a consecução da atividade-fim do serviço.
14. Contudo, afora os casos de fornecimento de mercadoria em conjunto com prestação de serviço em que haja relação de dependência e, portanto, preponderância (e para os quais o deslinde do conflito é solucionado pela avaliação desta preponderância, como visto), há casos de fornecimento conjunto em que, embora a mercadoria e a prestação de serviço possam estar relacionadas, não há relação intrínseca de subordinação e dependência, prejudicando assim a avaliação da preponderância. Isso é, a relevância da obrigação de dar e fazer está em igualdade, de modo que a mercadoria fornecida tem relevância em si, assim como a prestação de serviço. A bem da verdade, no mais das vezes, nesses casos, trata-se de fornecimento de mercadoria e prestação de serviço autônomos entre si - ainda que o fornecimento em conjunto tenha razão negocial e seja amparado em um único instrumento contratual.
14.1. Nesse ponto, recorda-se que, ainda que as partes tenham liberdade e autonomia para pactuar suas disposições contratuais, ao direito tributário não importa o nomen iuris contratual, mas sim o substrato econômico, isso é, o fato econômico subjacente ao contrato. Isso é, os tributos não incidem, ipsis litteris, sobre o contrato tal como acordado (mera qualificação jurídica dada pelas partes), mas, sim, sobre a materialidade do fato econômico subjacente ao contrato e efetivamente praticado.
15. Feitas essas observações teóricas, passa-se a análise da situação fática apresentada pela Consulente. Nesse ponto, faz-se necessário ressaltar alguns pontos sobre as informações fornecidas pela Consulente e que serviram de base para as premissas por ela adotadas para a formulação das perguntas transcritas nos subitens 6.1 a 6.4 desta resposta, assim como sobre as informações obtidas por este órgão consultivo em consulta recente ao seu site.
16. Conforme transcrito nos subitens 5.2, 5.3 e 5.4 desta resposta, a Consulente afirma fornecer uma balança quando da contratação de qualquer um dos planos por ela ofertados no aplicativo e que o programa (planos contratados por meio do aplicativo) vendido até aquele momento (apresentação da Consulta) dependia do uso específico dessa balança. Afirma, ainda, a impossibilidade de sua balança ser comercializada separadamente dos planos oferecidos, afirmando ser ela essencial à prestação do serviço.
16.1. Por esse motivo, considera a Consulente que a balança é fornecida aos seus clientes a título de bonificação, o que gera dúvidas quanto à escrituração do crédito quando da importação da balança, quanto ao CFOP a ser utilizado na sua saída e quanto à base de cálculo da operação.
17. No entanto, importante observar que as informações trazidas pela Consulente sobre a oferta dos planos e sobre a referida balança não estão em pleno acordo com as informações obtidas em seu site (acesso em 17/05/2022). Isso porque em seu site são oferecidos planos que incluem a balança, mas também plano sem a sua inclusão. E mais: é possível, ainda, a aquisição da balança isoladamente, sem a contratação de qualquer plano.
18. Sendo assim, entendemos que o serviço de saúde nutricional ofertado não é indissociável do fornecimento da balança, dado que há planos de saúde nutricional sem o fornecimento de balança. Não se nega que as balanças podem auxiliar o programa de saúde nutricional oferecido pela Consulente (com a troca de informações entre o aplicativo e a balança). Todavia, do relato e das informações obtidas no site da Consulente, percebe-se que a balança não é indispensável para a utilização do aplicativo oferecido pela Consulente.
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19. Tampouco, e sobretudo, pode-se considerar que a balança fornecida é mero insumo da prestação de serviço de saúde nutricional. Com efeito, a balança ofertada tem utilidade e valor intrínsecos, à parte dos planos oferecidos pela Consulente - tanto que há venda em separado - e, após esgotado o tempo de assinatura dos planos contratados por seus clientes, eles permanecem com a balança. E a balança, mesmo após esgotado o acesso ao aplicativo, preserva sua utilidade nesta condição. Considera-se, assim, que a referida balança é um item autônomo à assinatura do plano, cuja utilidade intrínseca é alheia a ele.
20. Desse modo, ainda que ofertados em conjunto, a prestação do serviço de saúde nutricional por meio de aplicativo e o fornecimento da balança não têm relação de dependência e subordinação. Trata-se de ofertas autônomas, ambas igualmente relevantes para a satisfação de seu cliente.
21. Ante o exposto, em reposta aos questionamentos 6.1 a 6.4, conclui-se que no fornecimento da balança (ainda que em conjunto com o serviço de saúde nutricional) devem ser seguidas as regras gerais previstas na legislação do ICMS para o fornecimento de mercadorias, seja para o cumprimento das obrigações principais, seja para o cumprimento das obrigações acessórias.
22. Dessa forma, na medida em que há tributação das operações subsequentes:
22.1. é possível o aproveitamento do crédito do imposto relativo à operação de importação, respeitadas as demais regrais usuais de creditamento, nos termos do artigo 59 e seguintes do RICMS/2000;
22.2. o CFOP a ser utilizado na operação de saída da balança é 5.102/6.102 (Venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros); e
22.3. a base de cálculo será o valor da operação (artigo 37, inciso I, RICMS/2000).
22.3.1. Sobre esse ponto, observa-se que usualmente esta Consultoria Tributária tem expedido o entendimento de que nos casos de ausência de valor da operação, ou na impossibilidade de sua mensuração, o artigo 38 do Regulamento do ICMS (RICMS/2000) determina os critérios para definição da base de cálculo. No entanto, no caso em questão, embora faltem elementos para uma resposta mais conclusiva, aparentemente há valor da operação mensurável e fidedigno, dado que Consulente realiza a comercialização da mesma balança para terceiros, consumidores finais. Contudo, cabe alertar que este valor deve ser fidedigno, de modo que ele pode ser rechaçado pela autoridade fiscal, em caso de fiscalização, se esta verificar que se trata de manipulação e simulação da base de cálculo.
23. Por fim, em relação ao item 6.4, não foi possível compreender o questionamento por completo e, ainda, faltam dados da situação de fato para análise, tais como, o valor de compra das balanças e o valor de venda. Assim, resta prejudicado este questionamento.
24. Com isso, consideram-se respondidos os questionamentos da Consulente.
Nota:
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.
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