Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.

Resposta à Consulta nº 25.122, de 14/03/2022

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 25122/2022, de 14 de março de 2022.

Disponibilizado no site da SEFAZ em 15/03/2022

Ementa

ITCMD - Integralização de capital com transferência de imóveis do patrimônio dos sócios para sociedade limitada.

I. A transferência de imóveis do patrimônio dos sócios para a sociedade limitada para integralização do capital social da empresa não é hipótese de incidência prevista na legislação do ITCMD.

II. Quando verificada na situação concreta a utilização formal de atos e negócios jurídicos estruturados desprovidos de essência negocial ou ainda, eivados de vícios para encobrir materialmente outros, de natureza diversa, para, assim, suprimir o real fato gerador da obrigação tributária, então, esses negócios poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativa.

Relato

1. A Consulente, que tem como atividade principal a de holdings de instituições não-financeiras (CNAE 64.62-0-00), relata que no dia 28/09/2021 foi realizado o seu registro perante a junta comercial do Estado de São Paulo, com capital inicial de R$ 1.000,00, subscrito e integralizado pelos sócios: a esposa e o esposo, casados no regime de comunhão parcial de bens, no percentual de 50%, cada.

2. Em 18/11/2021, houve uma alteração contratual, consistente no aumento do capital social para R$ 506.000,00, sendo que deste valor, R$ 11.733,20 foram integralizados em moeda corrente, pela sócia (esposa), e R$ 493.266,80 em bens imóveis, pelo sócio (esposo), da seguinte forma:

2.1. imóvel: apartamento, no valor de R$ 341.136,80, de propriedade do casal;

2.2. imóvel: terreno, no valor de R$ 70.000.00, de propriedade do casal;

2.3. imóvel: nua-propriedade de parte ideal correspondente a 50% de um prédio residencial e respectivo terreno, no valor de R$ 82.130.00, de propriedade do sócio, esposo;

3. Diz que todos os bens imóveis foram integralizados pelo seu valor histórico, constante da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física dos sócios, conforme autorizado pelos artigos 142 do Decreto 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda), combinado com o artigo 23 da Lei 9.249/1995.

4. De acordo com cópia digital do documento intitulado como "Primeira alteração e consolidação do contrato social da (…)", anexada à Consulta, o capital social foi dividido em 506.000 cotas, no valor nominal e unitário de R$ 1,00 cada uma, distribuído da seguinte forma: 288.200 cotas para o sócio (esposo) e 217.800 cotas para sócia (esposa).

5. Após obter as certidões de não incidência de ITBI na integralização de capital com esses imóveis (cópia digital anexa), expõe que solicitou o registro dos imóveis no nome da pessoa jurídica. No entanto, o oficial de registro de imóveis, títulos e documentos e civil de pessoa jurídica de um município paulista, no qual se localiza o imóvel, devolveu o documento, com menção à resposta à consulta nº 22070/2020 e exigência de manifestação da Fazenda Estadual a respeito de possível incidência do ITCMD, já que os imóveis foram integralizados por seus valores históricos.

6. Argumenta que, essa exigência não deve prosperar, pois não se vislumbra nessa situação a hipótese de incidência de ITCMD, por inexistir fato gerador de doação (artigos 2º, 3º e 4º da Lei 10705/2000). A integralização para formação de capital social da pessoa jurídica com bem/bens de sócio/sócios tem a natureza jurídica onerosa, razão pela qual incidiria o ITBI, se não fosse a hipótese de não incidência por expressa determinação constitucional (artigo 156, §2º da CF/1988). Desse modo, conclui que não caberia falar em doação de patrimônio da pessoa física em prol da pessoa jurídica em integralização de capital social.

7. Além disso, acrescenta que descabe falar em doação pelo fato do bem ter sido transferido à pessoa jurídica pelo valor histórico e não pelo valor de mercado, uma vez que a integralização feita desse modo é autorizada pela lei (artigo 142 do Decreto 9.580/2018, combinado com o artigo 23 da Lei 9.249/1995).

8. Ressalta, ainda, que a presente situação difere daquela tratada na Resposta à Consulta nº 22070/2020, desse órgão consultivo.

9. Por fim, solicita a manifestação formal desta Secretaria da Fazenda e Planejamento, a fim de ser verificada a possível incidência do ITCMD sobre o ato de integralização de bem imóvel uma vez que foi atribuído ao bem valor inferior ao valor de mercado.

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Interpretação

10. Inicialmente cumpre esclarecer que, a princípio, a transferência de imóveis do patrimônio dos sócios para a sociedade limitada para integralização do capital social da empresa não é hipótese de incidência prevista na legislação do ITCMD.

11. Contudo, ressalta-se que, na hipótese de integralização de capital acima do valor que cabe a cada sócio, sem o correspondente reflexo em sua participação na sociedade, esta Consultoria Tributária entende que pode haver doação de bens ou direitos, portanto sujeita à incidência do ITCMD.

12. Para melhor explicar esse último item, passamos a um exemplo:

12.1. Dois senhores, A e B, proprietários de um imóvel (na proporção de 50% cada um), com valor de mercado de R$ 500.000,00 e valor histórico (constante das declarações de Imposto sobre a Renda) de R$ 200.000,00 resolvem, juntamente com um terceiro, C, constituir uma sociedade limitada. Para tanto, estabelecem no contrato social que o capital da empresa, formado por 300 mil quotas (com valor de R$ 1,00 cada quota) será realizado mediante a integralização do referido imóvel, por parte dos dois senhores, A e B, e por R$ 100.000,00 em dinheiro integralizado por C. As quotas serão divididas da seguinte maneira: 100 mil quotas para cada sócio.

12.2. Pode-se perceber, nesse caso, que:

12.2.1. Houve integralização do imóvel pelo valor histórico (permitida pelo artigo 23 da Lei 9.249/1995).

12.2.2. O valor (de mercado) das quotas resultantes da incorporação do imóvel ao capital social não é igual ao valor de mercado do imóvel integralizado. A empresa, que não tem nenhum passivo, possui como ativos um imóvel de valor R$ 500.000,00 e R$ 100.000,00 em dinheiro, somando R$ 600.000,00 de valor de mercado. As quotas sociais pertencentes aos senhores A e B estão registradas por R$ 200.000,00, no entanto, possuem valor de mercado de R$ 400.000,00.

12.2.3. O terceiro C, que integralizou o valor de R$ 100.000,00 em dinheiro, passou a ser proprietário de quotas sociais registradas pelo valor de R$ 100.000,00, mas que possuem valor de mercado de R$ 200.000,00.

12.3. Os senhores A e B possuíam um patrimônio de R$ 250.000,00 cada um (metade do imóvel que possuía valor de mercado de R$ 500.000,00) e com a constituição da empresa, nos termos estabelecidos, passaram a ter um patrimônio de R$ 200.000,00 cada um, representado por 100.000 quotas do capital social da empresa. As 100.000 quotas, conforme indicamos, estão registradas por R$ 100.000,00 reais, mas possuem valor de mercado de R$ 200.000,00 (33,33% do valor total de mercado da empresa, que é de R$ 600.000,00). É evidente que ambos sofreram um prejuízo patrimonial da ordem de R$ 50.000,00 cada um.

12.4. O terceiro C, por outro lado, sofreu um acréscimo patrimonial de R$ 100.000,00, uma vez que integralizou o valor de R$ 100.000,00 em dinheiro para a constituição da empresa e passou a ser titular de 100.000 quotas do capital social que, conforme indicamos, possuem valor de mercado de R$ 200.000,00.

12.5. No presente caso é possível se vislumbrar todos os elementos que caracterizam a doação, quais sejam:

12.5.1. Natureza contratual (existe um contrato social para constituição da entidade, que modifica direitos patrimoniais dos contratantes).

12.5.2. Aceitação (todos assinam o contrato de comum acordo).

12.5.3. Transferência patrimonial (os sócios A e B sofrem prejuízo patrimonial de R$ 50.000,00 cada um ao passo em que o sócio C tem um acréscimo patrimonial de R$100.000,00).

12.5.4. Animus donandi (os sócios têm a faculdade de integralizar o imóvel pelo valor de mercado ou pelo valor histórico. Optando pelo valor histórico sem exigir quaisquer contrapartidas que compensem seu prejuízo patrimonial estarão praticando um ato de liberalidade).

12.5.5. Se fizerem pelo valor histórico e receberem uma compensação financeira de R$ 50.000,00 cada um, do terceiro C, não há que se falar em doação, visto não ter havido nem prejuízo patrimonial, nem liberalidade. Se fizerem a integralização pelo valor de mercado, por sua vez, não haverá prejuízo patrimonial.

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13. Nota-se, assim, que, sem o correspondente reflexo nas quotas do sócio integralizador, o valor do imóvel que ultrapassa o valor pelo qual ele é integralizado acaba por se configurar como uma transferência voluntária (doação) do patrimônio dos sócios integralizadores para o outro sócio, caracterizando-se, portanto, como hipótese de incidência do ITCMD.

14. Com efeito, não se pode perder de vista a possibilidade da utilização do instituto da integralização de capital social e da doação (regulados pelo direito civil e empresarial), para ocultar ou simular negócios jurídicos com objetivo de se esquivar do pagamento de tributos. Nessa situação, de acordo com o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, a autoridade fiscal está autorizada a desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Consequentemente, quando verificada na situação concreta a utilização formal de atos e negócios jurídicos estruturados desprovidos de essência negocial ou ainda, eivados de vícios para encobrir materialmente outros, de natureza diversa, para, assim, suprimir o real fato gerador da obrigação tributária, então, esses negócios poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativa, para que haja a autuação de acordo com o fato gerador materialmente praticado.

15. Feitas essas observações, na situação em análise, verifica-se que a atribuição das quotas da empresa foi feita de forma desigual, sendo 288.200 cotas para o sócio (esposo) e 217.800 cotas para a sócia (esposa). Nesse contexto, entendemos que essa divisão buscou refletir o valor integralizado por cada sócio, já que foram utilizados tanto imóveis de propriedade do casal quanto bens particulares.

16. No entanto, a respeito desse último ponto, convém ressaltar que o fato de ter realizado a integralização com o imóvel particular mencionado no item 2.3 (nua-propriedade) pelo seu valor histórico pode resultar na transferência de patrimônio para o outro sócio quando se considera o valor de mercado desse bem, ou seja, o valor das quotas do capital da empresa refletirá o valor de mercado desse imóvel, resultando na transferência de parte desse patrimônio para o outro sócio, ainda que indiretamente.

17. Como no exemplo exposto acima, sem uma compensação financeira, quando o valor do imóvel ultrapassa o valor pelo qual ele é integralizado pode se configurar uma transferência voluntária (doação) do patrimônio do sócio integralizador para o outro sócio, caracterizando-se, portanto, como hipótese de incidência do ITCMD, que tem como base de cálculo o valor de mercado do imóvel (artigos 9º e 13 da Lei 10.705/2000).

18. Por fim, ressalte-se que a consulta tributária é um instrumento para elucidação de dúvida pontual quanto à interpretação e aplicação da legislação tributária estadual, na forma estabelecida pelos artigos 510 e seguintes do RICMS/2000, combinados com o artigo 31-A da Lei 10.705/2000, fugindo à competência deste órgão consultivo a tarefa de verificar concretamente se a operação praticada pela Consulente preenche as condições referidas na Consulta. Nesse caso, a Consulente poderá procurar o Posto Fiscal, órgão competente para realizar a análise documental referente ao caso concreto à luz desta esta resposta à consulta.

19. Ante o exposto, consideram-se respondidas as dúvidas apresentadas.

Nota:

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Base Legal: Resposta à Consulta nº 25.122, de 14/03/2022.

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