Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.
Disponibilizado no site da SEFAZ em 30/06/2020
ITCMD - Renegociação de dívida no âmbito de operação de crédito bancário - Remissão parcial da dívida - Incidência.
I. Nas operações de renegociação de dívida em âmbito comercial, se restar claro que são pertinentes, legítimas, justificáveis e que a renegociação da dívida seja uma estratégia empresarial para incentivar o adimplemento da obrigação e não a transferência voluntária de patrimônio do credor para o devedor, não se vislumbra, a princípio, a existência de doação.
1. A Consulente, pessoa jurídica cuja atividade principal é a de "sociedades de crédito, financiamento e investimento - financeiras (CNAE - 64.36-1-00)", relata que concedeu crédito a quatro pessoas físicas (identificadas na Consulta), através de cédulas de crédito bancários, cada uma com valor principal de R$ 1.399.545,39.
2. Para pagamento das referidas operações de crédito, foi lavrada escritura de dação em pagamento, no dia 28 de junho de 2019, por determinado Tabelião de Notas de São Paulo, sendo retificada mediante ato retificatório lavrado pelo mesmo Tabelionado em 19 de julho de 2019, em que os devedores deram, para pagamento da dívida, acumulada em R$ 6.985.142,76, alguns imóveis com valor total de R$ 5.608.400,00.
3. Conta que, dessa forma, houve a remissão parcial da dívida, sendo a diferença entre o valor da dívida e o valor atribuído aos imóveis (R$ 1.376.742,76) objeto de perdão.
4. Expõe, ainda, que ao levar as escrituras dos imóveis para registro, o Oficial de Registro de imóveis competente exigiu o recolhimento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCMD, alegando que a remissão de dívida é hipótese de incidência do imposto.
5. Cita o artigo 2º, incisos I e II da Lei Estadual nº 10.705/2000 e decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP sobre a incidência ou não do ITCMD no caso de remissão de dívidas como fundamento de que o ITCMD somente é devido no caso de a remissão visar ao ocultamento de doações. Não é o seu caso, acrescenta a Consulente.
6. Diz que o perdão parcial de dívidas é uma prática comum entre as empresas, visto que com isso elas têm a expectativa de que ocorra o pagamento de, pelo menos, parte da dívida. Nesse sentido, entende que não é razoável a incidência do imposto na operação em questão, já que não há nenhuma simulação com a finalidade de ocultar doações, mas negócios jurídicos realizados nos estritos ditames legais.
7. Diante do exposto, indaga se há a incidência do ITCMD sobre a parcela perdoada da dívida.
8. Inicialmente, tendo em vista o relato apresentado, entende-se que a questão apresentada resume-se a determinar se o perdão parcial de dívidas, no âmbito de operações de concessão de crédito por empresas que têm tais operações como atividade principal, configura-se como doação, sendo por isso, hipótese de incidência do ITCMD. Ademais, informa-se que não será objeto de análise, nesta resposta à consulta, eventuais doações ocorridas entre os quatro devedores e nem mesmo a validade das informações contidas nos documentos anexados, posto que tal tarefa escapa à competência deste órgão consultivo.
9. O artigo 538 do Código Civil estabelece que "considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra"; por sua vez, o artigo 385 do mesmo código estabelece que "a remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro".
10. Nota-se que a doação e a remissão de dívidas são institutos distintos: enquanto a doação tem natureza jurídica de contrato, a remissão representa uma modalidade de extinção das obrigações; no entanto ambas caracterizam-se, entre outros elementos, pela necessidade de manifestação de vontade do agente para a sua concretização. E, por certo, dadas as consequências geradas pela remissão da dívida, esta pode ser utilizada em determinadas situações para encobrir a realização de uma doação, esquivando-se, assim, do pagamento do ITCMD.
11. Nesse sentido, diante da realização de tais negócios jurídicos é necessário verificar se tais institutos não foram manuseados para esconder ou simular a real intenção do agente - por exemplo, simular o perdão de uma dívida para esconder a real intenção do ato, qual seja, a doação do montante financeiro objeto da suposta remissão.
12. Alguns aspectos indicativos de uma simulação de remissão de dívida podem ser listados, de forma exemplificativa: (i) a natureza das pessoas integrantes de relação jurídica, bem como uma possível relação entre elas; (ii) as condições e motivos pelas quais a dívida foi contraída e perdoada; (iii) o montante da dívida perdoada em relação ao seu total.
13. Na situação fática relatada na presente consulta, quer nos parecer, a princípio, que a remissão de dívida operada pela Consulente deu-se de forma parcial, em um ambiente negocial, envolvendo pessoas (Consulente e devedores) não relacionadas entre si - a não ser pela citada relação negocial - e que teve por objetivo o recebimento da maior parcela do montante devido em razão da prévia operação de crédito, e não a mera concessão de uma graça aos devedores através do perdão da dívida anteriormente contraída.
14. Ou seja, estando corretas as informações prestadas, o ato da Consulente não foi envolvido pelas características da liberalidade, intrínsecas ao contrato de doação; ao contrário, foi realizado visando atender aos interesses da própria Consulente, qual seja, o recebimento da maior parte do montante objeto da anterior operação de crédito, e que sem a remissão em tela talvez nem fosse recebido, ou o fosse em condições ainda mais desvantajosas para o credor.
15. Contudo, ressalte-se que a consulta tributária é um instrumento para elucidação de dúvida pontual quanto à interpretação e aplicação da legislação tributária estadual, na forma estabelecida pelos artigos 510 e seguintes do RICMS/2000, combinados com o artigo 31-A da Lei 10.705/2000, fugindo à competência deste órgão consultivo a tarefa de verificar concretamente se a operação praticada pela Consulente preenche as condições referidas na Consulta.
16. Dessa forma, a presente resposta é fornecida em tese e não tem o condão de atestar a veracidade das informações contidas no relato, cabendo essa tarefa ao tabelião ou, eventualmente, à própria fiscalização direta de tributos no âmbito desta Secretaria. Convém recordar, também, que:
16.1. nos termos do Código Civil, é nulo o negócio jurídico simulado, havendo simulação quando o negócio contiver declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira (artigo 167, caput c/c § 1, inciso II);
16.2. de acordo com o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, a autoridade administrativa está autorizada a desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Consequentemente, quando verificada na situação concreta a utilização formal de atos e negócios jurídicos estruturados desprovidos de essência negocial ou ainda, eivados de vícios para encobrir materialmente outros, de natureza diversa, para, assim, suprimir o real fato gerador da obrigação tributária, então, esses negócios poderão ser desconsiderados pela autoridade fiscal, para que haja a autuação de acordo com o fato gerador materialmente praticado.
17. Diante de todo o exposto, se restar claro que as operações de remissão parcial da dívida objeto desta consulta foram pertinentes, legítimas, justificáveis e que a renegociação da dívida tenha sido pactuada como uma estratégia empresarial, realizada em um âmbito estritamente comercial, para possibilitar o adimplemento da obrigação contraída e não a transferência voluntária de patrimônio do credor para o devedor, não se vislumbra, a princípio, a realização de um contrato de doação entre as partes, não sendo configurada, portanto, a hipótese de incidência do ITCMD estabelecida no inciso II do artigo 2º da Lei nº 10.705/2000.
18. Com esses esclarecimentos, consideramos respondidas as dúvidas apresentadas.
Nota:
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.
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