Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.
Disponibilizado no site da SEFAZ em 14/11/2019
ITCMD - Divórcio consensual - Partilha - Regime de comunhão parcial de bens - Doação de direito relativo a bens imóveis - Contrato de alienação fiduciária ainda não quitado na data do fato gerador - Base de cálculo.
I. O ITCMD relativo à doação recebida no exterior por donatário domiciliado neste Estado deve ser recolhido ao Estado de São Paulo.
II. Na transmissão de direitos decorrentes de contrato de alienação fiduciária, as parcelas vincendas, na data do fato gerador, não se constituem em dívida a onerar o bem transmitido.
III. O valor venal do direito transmitido é o valor positivo obtido da subtração entre o valor venal do próprio bem e o valor total que seria necessário para dar quitação às obrigações do contrato.
IV. Havendo excesso de meação em partilha, é necessário se averiguar, para fins de análise de eventual ocorrência de fato gerador do ITCMD, se a desigualdade na divisão ocorreu a título oneroso ou gratuito.
1. A Consulente, então casada sob o regime de comunhão parcial de bens, informa que, na partilha havida entre ela e seu marido em processo de divórcio, houve meação de dois imóveis situados no Brasil e a doação de um imóvel, objeto de contrato de alienação fiduciária, situado no exterior (Estados Unidos da América), da esposa ao marido. Quanto a esse bem imóvel, o acordo de partilha prevê que as partes "partilharão o valor já pago".
2. Afirma que, requerida a expedição da "carta de sentença", o juiz da causa ordenou que a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo se manifestasse sobre eventual necessidade de recolhimento do ITCMD.
3. A esse respeito, a Consulente entende que não é devido o ITCMD. Isto porque os imóveis partilhados no Brasil teriam sido divididos igualmente, não havendo qualquer transmissão por doação. Quanto ao imóvel localizado no exterior, argumenta que ele não é propriedade dos contribuintes divorciados, já que se trata de bem objeto de contrato de alienação fiduciária e, mesmo que assim não fosse, afirma que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu pela inconstitucionalidade da alínea "d", do inciso II, do artigo 4º da Lei 10.705/2000.
4. Diante do exposto, solicita a manifestação da Secretaria da Fazenda e Planejamento quanto a existência ou inexistência do dever de recolhimento do ITCMD.
5. Registre-se que a Consulente anexa, eletronicamente, cópia do processo judicial de divórcio.
6. De início, convém pontuar que, em relação à inexistência de lei complementar federal regulamentando a incidência do imposto nas transmissões de bens situados no exterior, conforme já assinalado por este órgão consultivo em outras oportunidades, o Estado de São Paulo entende que os Estados podem legislar diretamente sobre a questão, preenchendo a "lacuna" deixada pela falta da edição de lei complementar (Constituição Federal: artigo 24, I e § 3º, c/c artigo 34, § 3º, do ADCT) como fez o Estado de São Paulo por meio da Lei 10.705/2000 (artigo 4º, incisos I e II).
7. Nesse ponto, há de se ressaltar que, embora o Tribunal de Justiça de São Paulo tenha se manifestado pela inconstitucionalidade da alínea "b" do inciso II do artigo 4º da Lei n° 10.705/2000, encontra-se em trâmite, no Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário sobre a possibilidade de os Estados-membros fazerem uso de sua competência legislativa plena, com fulcro no artigo 24, § 3º, da Constituição Federal e no artigo 34, § 3º, do ADCT, ante a omissão do legislador nacional em estabelecer as normas gerais pertinentes à competência para instituir o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação de quaisquer Bens ou Direitos - ITCMD, nas hipóteses previstas no artigo 155, § 1º, III, "a" e "b", da Constituição Federal.
8. O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reputou constitucional a questão e reconheceu a existência de repercussão geral da matéria suscitada, porém até a presente data não definiu seu posicionamento sobre o tema.
9. Portanto, observa-se que o dispositivo objeto do questionamento não foi revogado, expressa ou tacitamente, até a presente data, estando, portanto, para esta Secretaria da Fazenda e Planejamento em vigor.
10. Assim, avaliando que compete a esta Consultoria Tributária responder às consultas sobre a legislação tributária em vigor, interpretando a legislação e aplicando seus efeitos em pendências com os contribuintes (artigo 59 do Decreto nº 64.152/2019), este órgão consultivo entende que é devido o ITCMD ao Estado de São Paulo nos casos previstos no artigo 4º da Lei nº 10.705/2000.
11. Prosseguindo, informa-se que, em virtude da competência deste órgão consultivo (artigo 510 do RICMS/2000), nesta Resposta à Consulta será analisado o instituto da alienação fiduciária conforme seu conceito definido no ordenamento jurídico brasileiro, no que tange ao questionamento referente à doação de bem imóvel situado no exterior.
12. Assim, na hipótese de doação de bem imóvel objeto de contrato de alienação fiduciária não quitado, o que se transmitiu ao donatário foram os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária e não a propriedade do bem. Dessa forma, como ao fiduciante cabe a posse direta do bem e o direito à propriedade superveniente, após adimplidas todas as obrigações contratuais, são esses os direitos transferidos ao donatário, que também assume as obrigações não cumpridas do contrato.
13. Nesse contexto, consigne-se que as parcelas não vencidas até a realização do ato ou contrato de doação, data do fato gerador, não se constituem em dívida a onerar o bem transmitido nesta hipótese (que é o direito decorrente do contrato), na forma prevista pelo artigo 14 do Decreto 46.655/2002 (RITCMD), uma vez que, como já assinalado, não houve, nesse caso, a transmissão do próprio bem ao donatário.
14. Isso posto, cabe transcrever o artigo 12 do RITCMD, que trata da base de cálculo do imposto:
"Artigo 12 - A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional (Lei 10.705/00, art. 9º, com alterações da Lei 10.992/01).
§ 1º - Considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.
(...)".
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15. Dessa maneira, como se está diante de hipótese de transmissão de direito relativo a bem objeto de contrato de alienação fiduciária, em que somente parte das parcelas foi quitada até a data do fato gerador, cabe esclarecer qual é o valor venal do direito que está sendo transmitido (valor da base de cálculo).
16. Nesse ponto, observe-se que, caso seja considerado, como valor do direito transmitido, a simples somatória das parcelas pagas pelo transmitente até a data do fato gerador, corre-se o risco de quantificar esse direito desproporcionalmente ao valor venal do próprio bem na mesma data.
17. Dessa forma, para fins do ITCMD, para se determinar o valor venal desse direito, que já traz para aquele que o recebeu a obrigação de pagar as parcelas não vencidas do contrato, deve-se, em relação à data do fato gerador:
17.1. levantar o valor venal do próprio bem, cujo direito está sendo transmitido ( A );
17.2. calcular o valor total que seria necessário para quitar as obrigações do contrato (valor presente à data da doação) ( B );
17.3. obtidos tais valores (A e B), o valor venal do direito transmitido será o resultado positivo da subtração entre esses dois valores, ou seja:
Valor do direito = A - B; desde que positivo ( A > B )
18. Assim sendo, passa-se a examinar, a partir desse ponto, a questão relacionada à possiblidade de excesso de meação no âmbito da partilha de bens de forma consensual.
19. Ocorre o fato gerador do ITCMD quando, em uma separação, um dos cônjuges, que era proprietário de metade do patrimônio da sociedade conjugal, recebe, graciosamente, uma parcela maior do que o quinhão a que tinha direito, configurando transferência não onerosa de bens e/ou direitos (doação).
20. Note-se que não são os bens, individualmente falando, que deverão ser divididos igualmente, mas sim o valor total do patrimônio.
21. Nesse sentido, para saber se ocorre ou não a incidência do ITCMD na divisão do patrimônio comum, deverão ser considerados os valores dos bens e direitos que couberam a cada um dos consortes, em relação ao valor total do patrimônio partilhado e à meação originariamente devida, de forma que, ao final da partilha, a cada um caiba metade do valor atribuído ao patrimônio comum do casal, além do patrimônio particular que eventualmente cada um possua.
22. Se os valores partilhados forem iguais, independentemente da forma como os bens foram divididos, não há excesso de meação (por doação) e, portanto, não haverá incidência do ITCMD.
23. Havendo diferença, em favor de um dos cônjuges, na partilha de bens do patrimônio comum do casal, há que se averiguar se tal diferença ocorreu gratuitamente, por liberalidade do cônjuge desfavorecido, ou de forma onerosa.
24. No caso de os bens serem partilhados de forma desigual, não há que se falar em gratuidade (doação), se houver, por exemplo, compensação financeira oriunda de patrimônio particular do cônjuge favorecido na partilha, equivalente ao excesso de meação.
25. Observe-se, contudo, que a análise quanto à simetria pecuniária de cada quinhão, quando a universalidade do patrimônio se compõe de bens e direitos diversos entre si, deve ser realizada adequadamente, principalmente no que se refere à avaliação de cada bem (atribuição de valores).
26. Essa tarefa, que foge à competência deste órgão consultivo, na forma estabelecida pelos artigos 510 e seguintes do RICMS/2000, combinado com os artigos 31-A da Lei 10.705/2000 e 104, "caput", da Lei 6.374/1989, está, a princípio, afeta à área executiva da Administração Tributária, observado o disposto no artigo 11, § 2º, da Lei 10.705/2000 (c/c artigos 14 e 15 da Lei 10.705/2000).
27. Desse modo, recomenda-se que a Consulente se dirija ao Posto Fiscal (área de fiscalização direta do tributo), que tem competência para apreciar o caso concreto e avaliar a correta base de cálculo para o caso em análise, se for o caso, devidamente instruída com todos os documentos pertinentes para a análise da situação (incluindo a presente consulta), observando os artigos 8º e seguintes da Portaria CAT 15/2003.
27.1. Reitera-se, portanto, a manifestação da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo - PGE (fls. 70, 77 e 93, do documento anexo) de que a Consulente deve cumprir o disposto no artigo 9º, inciso II, da Portaria CAT-15/2003.
28. Com esses esclarecimentos, consideram-se dirimidas as dúvidas apresentadas na consulta.
Nota:
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.
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