Postado em: - Área: Manual de lançamentos contábeis.
A sociedade de responsabilidade limitada, mais conhecida pela sigla "Ltda", está atualmente regulada pelo Código Civil/2002 (artigos 1.052 a 1.087), o qual dedica um capítulo inteiro para esse tipo societário. No referido capítulo encontramos as principais regras necessárias para sua administração, proteção dos direitos dos sócios e de terceiros, bem como regras relacionadas à responsabilidade dos sócios.
Em suma, encontramos no Código Civil/2002 um aparato legal que visa dar mais segurança jurídica para quem pretende constituir uma sociedade limitada, para a sociedade e para terceiros que vierem a ter negócios jurídicos com a mesma. Porém, em algumas situações esse aparato não é suficiente, por isso mesmo, o próprio codex veio estabelecer a regência supletiva pelas normas da sociedade simples nos casos de omissão legal. Além disso, se assim dispuser os sócios em contrato social, a sociedade limitada poderá reger-se supletivamente pelas normas das sociedades anônimas.
Nesse tipo societário a propriedade é "medida pelo capital social", o qual é dividido em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.
Na prática, o capital social representa os recursos empreendidos pelos sócios da empresa para sua constituição (ou criação). Portanto, é no momento da constituição da sociedade que os sócios definem o quanto cada um vai contribuir, em que momento e a forma da contribuição (dinheiro ou qualquer outra espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária) (1).
No decorrer da vida da sociedade o capital social pode sofrer reduções, mediante a correspondente modificação do contrato:
Por outro lado, aumentos de capital social são permitidos pela legislação, observados a preferência dos sócios para participarem do aumento e a exigência de que o capital esteja 100% (cem por cento) integralizado. Transferências de quotas de capital entre sócios ou para terceiros também são permitidas pela legislação, desde que observados todos os preceitos legais e normativos, estes emanados pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei).
Enfim, encontramos no Código Civil/2002 os principais pontos relacionados ao capital social e suas respectivas quotas... Acontece que uma questão passou desapercebida pelo legislador, qual seja, a possibilidade de aquisição das próprias quotas pela sociedade limitada.
Apesar do assunto não estar expressamente tratado no codex, veio o Drei a tratar do mesmo no subitem 5.3 do Manual de Registro de Sociedade Limitada, aprovado pelo Anexo IV da Instrução Normativa Drei nº 81/2020. Do manual, podemos concluir que a sociedade limitada pode adquirir suas próprios quotas, desde que tenha no contrato social cláusula que preveja a aplicação supletiva das normas da Lei das S/A (Lei nº 6.404/1976), conforme artigo 1.053, § único do Código Civil/2002:
Art. 1.053. (...)
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.
Portanto, a sociedade limitada pode adquirir suas próprias quotas, desde que:
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Ainda de acordo com o subitem 5.3 do Manual de Registro de Sociedade Limitada, para fins de registro na Junta Comercial, a regência supletiva:
Contabilmente, quando a sociedade limitada decidir adquirir quotas para manter em tesouraria deverá registrá-la em conta específica redutora da conta do Patrimônio Líquido (PL) que registrar a origem dos recursos aplicados em sua aquisição, intitulada "Quotas em Tesouraria (PL)", ou similar, tendo como contrapartida a conta "Caixa (AC)" ou "Bco. c/ Movto. (AC)", ambas do Ativo Circulante (AC). A conta do Patrimônio Líquido (PL) a que nos referimos, regras geral, será uma conta correspondente a reserva de lucro ou de capital.
À medida que as quotas forem sendo alienadas, tal operação gerará resultados positivos ou negativos e não devem integrar o resultado da sociedade. Deste modo, caso a operação resulte lucro, tal valor deverá ser registrado a crédito de uma reserva de capital, intitulada, como sugestão, "Lucro na Alienação de Quotas em Tesouraria (PL)".
Por outro lado, caso a operação resulte em prejuízo, esse valor deverá ser debitado em conta intitulada "Prejuízo na Alienação de Quotas em Tesouraria (PL)", ou similar.
Feitas essas breves considerações, partiremos nos próximos capítulos para uma análise mais detalhada dos procedimentos contábeis que as sociedades limitadas deverão observar quando da aquisição de quotas para permanência em tesouraria. Para Tanto, utilizaremos como base o Código Civil (CC/2002), aprovado pela Lei nº 12.406/2002 e no que for necessário a Lei das S/As, aprovado pela Lei 6.404/1976.
Procuraremos também, apesar de não ser o objetivo central desse trabalho, dar uma breve pincelada nos aspectos fiscais que envolvem essa operação. Vêm você também, vêm pra VRi Consulting (www.vriconsulting.com.br)... Siga nos no linkedin!
Nota VRi Consulting:
(1) Para saber um pouco mais sobre o capital social e seu registro, recomendamos a leitura do nosso Roteiro de Procedimentos intitulado "Abertura de Empresa - Registro do Capital Social". Nesse Roteiro estudamos os lançamentos contábeis que deverão ser feitos no momento da constituição de uma empresa, desde a subscrição até a integralização de capital social.
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No que se refere ao tratamento fiscal a ser dado às alienações de quotas que se encontram em tesouraria, convêm verificar o que diz o Regulamento do Imposto de Renda (RIR/2018) a respeito do assunto:
Art. 520. Não serão computadas, para fins de determinação do lucro real, as importâncias creditadas a reservas de capital que o contribuinte, com a forma de companhia, receber dos subscritores de valores mobiliários de sua emissão a título de:
(...)
III - lucro na venda de ações em tesouraria.
Parágrafo único. O prejuízo na venda de ações em tesouraria não será dedutível para fins de determinação do lucro real (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 38, § 1º) (grifo nossos).
Como podemos verificar, esse tratamento fiscal aplica-se especificamente às companhias (sociedades anônimas). Assim, considerando esse fato, bem como que a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção deve ser interpretada literalmente, é do nosso entendimento que a desoneração mencionada no artigo 520, caput, II, § único do RIR/2018 não se aplica às sociedade limitadas (salvo legislação posterior ou interpretação do Fisco Federal vir a dispor de modo contrário).
Operacionalmente, o resultado positivo obtido com a alienação de quotas em tesouraria deverá compor o Lucro Real para fins de tributação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), ou seja, deverá ser adicionado no Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur) e no Livro de Apuração da Contribuição Social (Lacs).
Por outro lado, no caso de prejuízo, é do nosso entendimento que o valor será considerado como dedutível na apuração do Lucro Real. Porém, nesse caso, para que possamos viabilizar a dedução, é necessário registrar o prejuízo a débito de conta de resultado, ou seja, não poderá ser feita exclusão do prejuízo nos seguintes Registros da Escrituração Contábil Fiscal (ECF):
Nossa explicação para esse entendimento toma por base o item 10 do Parecer Normativo CST nº 96/1978, o qual estabelece que o Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur) não pode ser utilizado para que sejam feitas exclusões resultantes da falta de registro, na escrituração comercial, de custos ou despesas operacionais, ou, ainda, as que tenham por objetivo complementar valor da mesma natureza insuficientemente registrado, considerando os limites máximos permitidos (salvo nas hipóteses expressamente previstas na legislação).
Base Legal: Art. 111, caput, II do Código Tributário Nacional - CTN/1966; Art. 38, caput, I e § 1º do Decreto-Lei nº 1.598/1977; Art. 520, caput, III, § único do RIR/2018 e; Item 10 do Parecer Normativo CST nº 96/1978 (Checado pela VRi Consulting em 15/01/24).As sociedades limitadas ao adquirirem suas próprias quotas para manterem em tesouraria não poderão registrá-las em conta do "Ativo Circulante (AC)", mesmo que tenham a intenção de aliená-las no futuro, pois estas quotas representam direitos contra seu próprio Patrimônio Líquido (PL). Na verdade, a aquisição de quotas de emissão própria e sua alienação são transações de capital da sociedade com seus sócios, não devendo, por esse motivo, afetar as contas de Ativo e/ou resultado da sociedade.
Na operação consistente em adquirir quotas próprias temos uma típica devolução de capital aos sócios, por isso mesmo, a operação deve ser tratada como tal (Princípio da essência sobre a forma). Desta forma, a sociedade deverá manter em seu Plano de Contas uma conta contábil, dentro do Patrimônio Líquido (PL), com a rubrica "Quotas em Tesouraria (PL)", ou similar, que funcionará como conta retificadora, ou seja, como redutora da conta do Patrimônio Líquido (PL) que registrar a origem dos recursos aplicados em sua aquisição.
Base Legal: Item 8 da Resolução CFC nº 1.313/2010 (Checado pela VRi Consulting em 15/01/24).CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Veremos nos próximos subcapítulos os lançamentos contábeis que deverão ser feitos pelas sociedades limitadas quando da aquisição de quotas próprias para manterem em tesouraria, veremos, também, os lançamentos a serem feitos quando da alienação, com lucro ou prejuízo, dessas mesmas quotas. Para tanto, utilizaremos a empresa fictícia Vivax Comércio de Eletrônicos Ltda., cuja sede encontra-se no Município de Campinas/SP.
Para iniciarmos nosso exemplo prático, convém demonstrar a composição do grupo Patrimônio Líquido (PL) da Vivax, o qual apresenta os seguintes saldos contábeis:
Patrimônio Líquido | R$ 25.500.000,00 |
Capital Social | R$ 20.000.000,00 |
Capital Social Integralizado (2) | R$ 20.000.000,00 |
Reservas: | R$ 5.500.000,00 |
Reserva de lucros | R$ 5.000.000,00 |
Reserva legal | R$ 500.000,00 |
Como visto acima, a Vivax somente poderá adquirir as quotas liberadas do seu capital social até o limite dos fundos disponíveis, ou seja, com saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem ofensa ao capital social. Deste modo, considerando os saldos contábeis acima apresentados, a empresa poderá adquirir suas próprias quotas até o valor máximo de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
Nota VRi Consulting:
(2) Capital social = Quantidade de quotas X valor de cada quota ==> Capital social = 20.000.000,00 X R$ 1,00 ==> Capital social = R$ 20.000.000,00 .
A título de exemplo, suponhamos que um dos sócios da Vivax, participante do capital social da sociedade, retire-se da empresa... Suponhamos também que esse sócio detenha um total de 4.000.000,00 (quarenta milhões) de quotas ao valor de R$ 1,00 (um real) cada e que a aquisição tenha sido efetuada pelo mesmo valor, ou seja, R$ 4.000.000,00 (4.000.000,00 X R$ 1,00). Neste caso hipotético, a operação será contabilizada da seguinte forma (3):
Pela aquisição de 4.000.000 em quotas de emissão da própria Vivax Comércio de Eletrônicos Ltda., do sócio João Alcantra Machado:
D - Quotas em tesouraria (CR-PL) _ R$ 4.000.000,00
C - Bco. c/ Mvto. (AC) _ R$ 4.000.000,00
Legenda:
AC: Ativo Circulante; e
CR-PL: Conta de redutora do Patrimônio Líquido.
Dando continuidade ao nosso caso hipotético, após a contabilização da aquisição das quotas sociais do sócio João Alcantra Machado o Patrimônio Líquido (PL) da Vivax ficará demonstrado da seguinte forma:
Patrimônio Líquido | R$ 21.500.000,00 |
Capital Social | R$ 20.000.000,00 |
Capital Social Integralizado (2) | R$ 20.000.000,00 |
Reservas: | R$ 1.500.000,00 |
Reserva de lucros | R$ 5.000.000,00 |
(-) Quotas em tesouraria | (R$ 4.000.000,00) |
Reserva legal | R$ 500.000,00 |
Vale registrar que a contabilização da aquisição das quotas em conta retificadora do Patrimônio Líquido (PL) é obrigatório, inclusive, perante a Lei das S/A (para às sociedade regidas supletivamente pela legislação das sociedades anônimas), que assim versa em seu artigo 182, § 5º:
Art. 182. (...)
§ 5º As ações em tesouraria deverão ser destacadas no balanço como dedução da conta do patrimônio líquido que registrar a origem dos recursos aplicados na sua aquisição.
Nota VRi Consulting:
(3) A contabilização da aquisição deverá ser feita tomando por base o valor efetivamente pago pela sociedade (custo de aquisição), não importando o valor nominal ou valor patrimonial.
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A partir do momento em que as quotas adquiridas forem alienadas para um sócio (ou vários sócios) ou até mesmo para um terceiro que entre na sociedade, a operação gerará resultados positivos (lucro) ou negativos (prejuízo) para empresa, caso seja vendida por valor superior ou inferior, respectivamente, ao valor efetivamente pago na aquisição, os quais não podem integrar o resultado da sociedade limitada.
Na hipótese da alienação gerar lucro (se vender por valor superior ao custo de aquisição), o mesmo deverá ser registrado a crédito de uma conta de reserva de capital do Patrimônio Líquido (PL) do Balanço Patrimonial (BP) da sociedade, "Lucro na alienação de quotas próprias (PL)", por exemplo.
O lançamento contábil nesse formato se justifica pois, na essência, o resultado positivo dessa alienação representa uma integralização de capital com ágio.
Bom, mas vamos para a prática. Continuando nosso exemplo, suponhamos que a Vivax tenha vendido às 3.000.000 (três milhões) de quotas adquiridas para manutenção em tesouraria, pelo preço unitário de R$ 1,20 (um real e vinte centavos). Nesta hipótese, a operação será contabilizada da seguinte forma:
Pela alienação de 3.000.000 de quotas de capital social de emissão da própria Vivax:
D - Bco. c/ Mvto. (AC) _ R$ 3.600.000,00 (4)
C - Quotas em tesouraria (CR-PL) _ R$ 3.000.000,00 (5)
C - Lucro na alienação de quotas próprias (PL) _ R$ 600.000,00 (6)
Legenda:
AC: Ativo Circulante;
CR-PL: Conta de redutora do Patrimônio Líquido; e
PL: Patrimônio Líquido.
Notas VRi Consulting:
(4) Preço de venda = Qtd. de quotas X Preço unitário ==> Preço de venda = 3.000.000 X R$ 1,20 ==> Preço de venda = R$ 3.600.000,00.
(5) Valor da baixa = Qtd. de quotas X custo de aquisição ==> Valor da baixa = 3.000.000 X R$ 1,00 ==> Valor da baixa = R$ 3.000.000,00.
(6) Lucro da operação = Preço de venda - Valor da baixa ==> Lucro da operação = R$ 3.600.000,00 - R$ 3.000.000,00 ==> Lucro da operação = R$ 600.000,00.
Finalizando nosso exemplo, suponhamos, agora, que a Vivax tenha vendido o restante das quotas adquiridas para manutenção em tesouraria (1.000.000 de quotas), pelo preço unitário de R$ 0,90 (noventa centavos). Nesta hipótese, a operação será contabilizada da seguinte forma:
Pela alienação de 1.000.000 quotas de emissão da própria Vivax:
D - Bco. c/ Mvto. (AC) _ R$ 900.000,00 (7)
D - Prejuízo na alienação de quotas próprias (PL) _ R$ 100.000,00 (8)
C - Quotas em tesouraria (CR-PL) _ R$ 1.000.000,00 (9)
Legenda:
AC: Ativo Circulante;
CR-PL: Conta de redutora do Patrimônio Líquido; e
PL: Patrimônio Líquido.
Notas VRi Consulting:
(7) Preço de venda = Qtd. de quotas X Preço unitário ==> Preço de venda = 1.000.000 X R$ 0,90 ==> Preço de venda = R$ 900.000,00.
(8) Prejuízo da operação = 1.000.000 X (R$ 1,00 - R$ 0,90) ==> Prejuízo da operação = R$ 100.000,00.
(9) Valor da baixa = Qtd. de quotas X custo de aquisição ==> Valor da baixa = 1.000.000 X R$ 1,00 ==> Valor da baixa = R$ 1.000.000,00.
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