Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.

Resposta à Consulta nº 31.686, de 06/06/2025

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 31686/2025, de 06 de junho de 2025.

Publicada no Diário Eletrônico em 09/06/2025

Ementa

ICMS - Obrigações acessórias - Mercado livre de gás natural - Serviço de transporte - Aplicação das regras do Ajuste SINIEF 03/2018 - Emissão do documento fiscal.

I. A movimentação, mesmo sem comercialização por parte do transportador, da molécula de gás natural no âmbito do mercado livre caracteriza prestação de serviço de transporte, que, se intermunicipal ou interestadual, está sujeita à incidência do ICMS.

II. O documento fiscal a ser emitido na prestação do serviço de transporte de gás natural por meio de dutos é o Conhecimento de Transporte Eletrônico - CT-e, modelo 57 (artigo 212-O, § 9º, item 1, do RICMS/2000).

III. Por analogia, as regras do Ajuste SINIEF 03/2018 poderão ser aplicadas por distribuidora de gás natural no cumprimento das obrigações acessórias relacionadas à prestação do serviço de transporte no ambiente de contratação livre.

Relato

1. A Consulente, concessionária de serviços públicos, enquadrada no Regime Periódico de Apuração (RPA), cuja atividade principal é a "distribuição de combustíveis gasosos por redes urbanas" (CNAE 35.20-4/02), relata que pretende operar no mercado livre de gás natural, que apresenta como característica principal a liberdade de os usuários negociarem livremente a compra e venda do produto diretamente do fornecedor de sua escolha.

2. Descreve que, ao atuar no mercado livre, não comercializaria a molécula do gás natural, pois nesse mercado o usuário livre pode contratar com terceiros (comercializadores) o fornecimento do produto, e a Consulente seria a responsável apenas por realizar o transporte do gás natural, que lhe é entregue por um fornecedor, do ponto de recepção em seu sistema dutoviário até o ponto de entrega. O acordo para a prestação do serviço ao cliente seria feito mediante Contrato de Uso do Sistema de Distribuição (CUSD), e a Consulente seria remunerada por meio de Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), sendo que esse serviço de transporte de gás natural por ela prestado pode ocorrer de duas formas: em operação intramunicipal, sujeita ao imposto de competência municipal (ISS) e em operação intermunicipal, onde o ponto de recebimento e o ponto de entrega do gás natural se situam em municípios distintos, cuja competência de tributação é do Estado, em razão da incidência do ICMS.

3. Informa que, na comercialização de gás natural no ambiente regulado, a Consulente opera sob regime especial, concedido pela Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, que lhe permite emitir a Nota Fiscal/Conta de Gás com base no fornecimento mensal do gás natural aos clientes, nos termos da Portaria CAT 79/2003, mas que o regime não prevê a cobrança da TUSD, nem traz especificações sobre as informações necessárias para realizar a cobrança pelo uso do seu sistema de distribuição, o que lhe traz dúvidas sobre como proceder relativamente à atividade que pretende explorar no mercado livre de gás natural.

4. A natureza da atividade envolvida no transporte do gás natural (mercado livre) de um ponto a outro do território paulista envolve, segundo afirma, particularidades que inviabilizariam o cumprimento das obrigações acessórias exigíveis, como a emissão do Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e) tal como ele está atualmente previsto na legislação tributária. E isso porque, nesse modelo de operação, seria comum haver descompasso entre o fluxo contratual ou jurídico e o fluxo físico da molécula do gás natural movimentada pela Consulente, haja vista que o gás natural é um bem fungível e que haveria, no interior dos gasodutos de distribuição da Consulente, inevitável mistura de gases de proprietários distintos.

5. Aponta que, embora aplicável ao gasoduto de transporte, que não é o mesmo da rede de distribuição da Consulente, o Ajuste SINIEF 03/2018 publicado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), o qual concede tratamento diferenciado às operações de circulação e prestações de serviço de transporte de gás natural por meio de gasoduto, mais especificamente em sua cláusula terceira, passou a estabelecer o cumprimento de obrigações acessórias com base no fluxo jurídico ou contratual das movimentações do produto, em detrimento do fluxo físico, mediante emissão do Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e).

6. Menciona que, em virtude da lacuna da legislação tributária sobre a prestação de serviço de transporte de gás natural no mercado livre, o Estado de São Paulo já autorizou outra distribuidora de gás natural a aplicar, por analogia, o referido regime especial de que trata o Ajuste SINIEF 03/2018, conforme se verifica na Resposta à Consulta Tributária nº 23380/2021, publicada pela Consultoria Tributária de sua Secretaria da Fazenda e Planejamento. Assim, entende que a citada aplicação analógica do Ajuste SINIEF em tela revela-se medida adequada e razoável para suprir a lacuna normativa existente, permitindo que as obrigações acessórias sejam cumpridas de forma coerente com a realidade da operação, ou seja, por meio da emissão do Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e) dutoviário com base no fluxo contratual das operações, utilizando como referência os pontos de recepção e entrega definidos contratualmente.

8. Diante do exposto, apresenta os seguintes questionamentos acerca do assunto:

8.1. O CT-e, na modalidade dutoviária, é o documento fiscal adequado a ser emitido pela Consulente, na qualidade de distribuidora de gás natural, para acobertar as prestações de serviços de movimentação do gás natural por meio do seu sistema de distribuição para usuários livres nas prestações realizadas no âmbito do mercado livre de gás natural?

8.2. Caso o CT-e seja o documento adequado para lastrear essas operações, o fluxo jurídico previsto no contrato de uso do sistema de distribuição (CUSD) - especificamente os pontos de recepção e de entrega da molécula do gás natural - é o fluxo correto a ser considerado para definir a origem e o destino da prestação do serviço?

8.3. A Consulente pode, por analogia ao Ajuste SINIEF 03/2018, e consonância ao que preceitua o artigo 108, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN), emitir o CT-e com base nas quantidades de gás natural efetivamente medidas nos pontos de recebimento e de entrega do produto?

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Interpretação

9. Preliminarmente, cumpre registrar que a presente resposta adotará a premissa de que os gasodutos da Consulente não são de transporte, ou seja, não se enquadram na definição trazida pelo artigo 7º da Lei 14.134, de 8 de abril de 2021.

10. Isso posto, esclarece-se que as definições da atividade de distribuição de gás canalizado e de distribuidor de gás canalizado estão contidas, respectivamente, nos incisos XVII e XVIII do artigo 3º da Lei 14.134/2021, conforme se transcreve:

"Art.3º Ficam estabelecidas as seguintes definições para os fins desta Lei e de sua regulamentação:

(...)

XVII - distribuição de gás canalizado: prestação dos serviços locais de gás canalizado consoante o disposto no § 2º do art.25 da Constituição Federal;

XVIII - distribuidora de gás canalizado: empresa que atua na atividade de distribuição de gás canalizado;"

11. Já o artigo 177, inciso IV, da Constituição Federal (CF/1988) estabelece que é monopólio da União o transporte, por meio de conduto, de gás natural de qualquer origem:

"Art.177. Constituem monopólio da União:

(...)

IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;"

12. A seu turno, a Lei 14.134/2021, que dispõe sobre as atividades relativas ao transporte de gás natural de que trata o artigo 177 da Constituição Federal, define, em seus artigos 3º, inciso XXVI, e 7º, o que se entende por gasoduto de transporte:

"Art.3º - Ficam estabelecidas as seguintes definições para os fins desta Lei e de sua regulamentação:

(...)

XXVI - gasoduto de transporte: duto, integrante ou não de um sistema de transporte de gás natural, destinado à movimentação de gás natural ou à conexão de fontes de suprimento, conforme os critérios estabelecidos nesta Lei, ressalvados os casos previstos nos incisos XXIV e XXV do caput deste artigo, podendo incluir estações de compressão, de medição, de redução de pressão, de recebimento, de entrega, de interconexão, entre outros complementos e componentes, nos termos da regulação da ANP;

(...)


Art.7º Será considerado gasoduto de transporte aquele que atenda a, pelo menos, um dos seguintes critérios:

I - gasoduto com origem ou destino nas áreas de fronteira do território nacional, destinado à movimentação de gás para importação ou exportação;

II - gasoduto interestadual destinado à movimentação de gás natural;

III - gasoduto com origem ou destino em terminais de GNL e ligado a outro gasoduto de transporte de gás natural;

IV - gasoduto com origem em instalações de tratamento ou processamento de gás natural e ligado a outro gasoduto de transporte de gás natural;

V - gasoduto que venha a interligar um gasoduto de transporte ou instalação de estocagem subterrânea a outro gasoduto de transporte; e

VI - gasoduto destinado à movimentação de gás natural, cujas características técnicas de diâmetro, pressão e extensão superem limites estabelecidos em regulação da ANP.

§ 1º Fica preservada a classificação do gasoduto enquadrado exclusivamente no inciso VI do caput deste artigo que esteja em implantação ou em operação na datada publicação desta Lei.

§ 2º Gasoduto e instalações enquadrados exclusivamente no inciso II do caput deste artigo destinados à interconexão entre gasodutos de distribuição poderão ter regras e disciplina específicas, nos termos da regulação da ANP, ressalvadas as respectivas regulações estaduais."

13. É diante desse enquadramento normativo que devem ser investigados os destinatários da disciplina trazida pelo Ajuste SINIEF 03/2018, que concede tratamento diferenciado para o cumprimento de obrigações tributárias relacionadas às operações de circulação e prestações de serviço de transporte de gás natural por meio de gasoduto (cláusula primeira). O citado Ajuste aplica-se aos remetentes, destinatários e prestadores do serviço de transporte de gás que operem por meio de gasoduto (§ 1º de sua cláusula primeira).

14. O serviço de transporte a que alude o Ajuste SINIEF 03/2018 é aquele cujo monopólio pertence à União, nos termos do artigo 177 da Constituição Federal, e que é atualmente regido pelos artigos 4 a 12 da Lei 14.134/2021 e pelas normas regulatórias da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

15. A atividade descrita pela Consulente, concernente à movimentação de gás natural em seu sistema de gasodutos de distribuição, em princípio, não se submete às normas do Ajuste SINIEF 03/2018, haja vista que, por premissa, seus gasodutos não são de transporte, mas sim de distribuição. Vale apontar que o § 2º da cláusula décima, ao tratar do caso em que há contratação de mais de um agente transportador cujos gasodutos sejam interconectados, dispõe que o prestador do serviço de transporte é aquele tal como definido pela ANP, ou seja, faz expressa referência ao órgão regulador da atividade prevista no artigo 177 da Constituição Federal. Semelhante é a situação enfrentada pela Consulente, que declara receber o gás natural de transportadores (fornecedores) terceiros.

16. Ressalte-se que, independentemente do enquadramento de seus dutos nos moldes do artigo 7º da Lei 14.134/2021 e da sujeição das atividades promovidas pela Consulente à regulação da ANP, o fato é que a movimentação descrita na consulta configura indubitável prestação de serviço de transporte, nos termos do artigo 730 do Código Civil: "Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante remuneração, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas". E, para fins do ICMS, o prestador do serviço de transporte é aquele que assume a responsabilidade pela movimentação de cargas ou pessoas, podendo, para tanto, utilizar seus próprios meios ou serviços de terceiros. Se o transporte ocorrer entre municípios ou unidades da Federação diferentes, incidirá o ICMS.

17. Assim, na prestação desse serviço de transporte, a Consulente deverá emitir o CT-e, modelo 57, conforme previsão do artigo 212-O, § 9º, item 1, do RICMS/2000 e do artigo 1º, §2º, item 1, da Portaria CAT 55/2009 (transporte por dutos).

18. Sem embargo do exposto, é fato que a forma de cumprimento das obrigações ligadas à prestação do serviço de transporte por meio de gasodutos de distribuição, no âmbito do mercado livre de gás natural, ainda carece da edição de disciplina específica pelo Estado de São Paulo, sobretudo quanto à forma de emissão do CT-e. As particularidades da atividade, relacionadas à mistura de gases de diferentes titulares dentro dos dutos e à consequente impossibilidade de determinar o fluxo físico do gás natural, geram dificuldades para emitir o CT-e nos estritos termos da atual legislação estadual.

19. Diante disso, com base no artigo 108, inciso I, do CTN, que autoriza a Administração Tributária a utilizar a analogia na ausência de disposição expressa da legislação, entendemos ser possível aplicar as regras do Ajuste SINIEF 03/2018 nas prestações do serviço de transporte descrito pela Consulente, quando iniciadas em território paulista, para permitir a emissão do CT-e com base no fluxo contratual previsto no CUSD, ou seja, a partir das quantidades de gás natural medidas nos pontos de recebimento e de entrega, a exemplo do que prevê a cláusula terceira do Ajuste SINIEF 03/2018:

"Cláusula terceira. A emissão dos documentos fiscais relativos às operações de circulação e prestações de serviço de transporte dutoviário de gás natural será realizada com base nas quantidades de gás natural, efetivamente medidas nos pontos de recebimento e de entrega, solicitadas pelos remetentes e destinatários, e confirmadas pelos prestadores de serviço de transporte dutoviário de gás natural, de acordo com previsão contratual."

20. Não obstante a possibilidade jurídica de utilizar as disposições do Ajuste SINIEF 03/2018 para o cumprimento das obrigações acessórias ligadas às prestações do serviço de transporte de gás natural descritas pela Consulente, como demonstrado, o referido Ajuste SINIEF 03/2018 não foi concebido para o exato modelo negocial a ser praticado pela Consulente. Assim, havendo dificuldades ou impossibilidades para cumprir os ditames previstos no referido Ajuste, a Consulente poderá ingressar com pedido de regime especial para facilitar o cumprimento de suas obrigações acessórias, a juízo da Diretoria Geral Executiva da Administração Tributária - DEAT e de acordo com as normas do artigo 479-A do RICMS/2000, e da Portaria CAT 18/2021. Tendo em vista que a Consulente já é beneficiária de regime especial, segundo relata, poderá solicitar o seu aditamento para que ele também abarque as obrigações acessórias relacionadas à prestação do serviço de transporte de gás natural no ambiente de contratação livre. Frise-se que, caberá ao regime especial, considerada a conveniência da atividade fiscalizatória e nos termos da legislação citada, prever a forma como o CT-e deve ser emitido e, de modo geral, quais outras obrigações acessórias deverão ser observadas.

21. Nestes termos, consideram-se dirimidos os questionamentos apresentados.

Nota:

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Base Legal: Resposta à Consulta nº 31.686, de 06/06/2025.
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