Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.

Resposta à Consulta nº 31.548, de 12/06/2025

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 31548/2025, de 12 de junho de 2025.

Publicada no Diário Eletrônico em 13/06/2025

Ementa

ITCMD - Doação - Incorporação de empresas.

I. Em regra, os negócios jurídicos que envolvem a reorganização societária (por incorporação, fusão ou cisão, ou outras) não são hipóteses de incidência previstas na legislação do ITCMD.

II. A distribuição de quotas societárias de forma desproporcional por ocasião da incorporação da empresa, sem a devida compensação pecuniária podem ensejar a incidência de ITCMD.

Relato

1. A Consulente que, segundo o Cadastro de Contribuintes de ICMS do Estado de São Paulo (CADESP), exerce a atividade principal de comércio varejista especializado de equipamentos e suprimentos de informática (CNAE 47.51-2/01), relata que irá realizar incorporação de empresa na qual o único sócio teria 95.400 cotas sociais, no valor de R$ 1,00 cada.

2. Informa que, no quadro social da empresa incorporadora (Consulente), consta apenas um sócio que dispõe de 78.800 cotas sociais, no valor de R$ 1,00 cada. Acrescenta que o patrimônio líquido da empresa incorporada será transferido para a incorporadora, sem o respectivo aumento do capital social.

3. Explica que o capital social da empresa resultante será igualmente dividido entre os dois sócios remanescentes e, ao final, indaga se tal situação ensejaria a incidência do ITCMD, em função de que a distribuição das cotas sociais da empresa incorporada será realizada de forma igualitária entre os dois sócios, cabendo a cada um deles 39.400 cotas no valor de R$ 1,00 cada.

Interpretação

4. Inicialmente, tendo em vista que não foram informados maiores detalhes acerca da operação de incorporação, ficamos impossibilitados de fornecer uma reposta conclusiva quanto à existência de doação na operação relatada. Tampouco será analisada a correção dessa incorporação sob a ótica do direito empresarial, atribuição que foge à competência deste órgão consultivo.

4.1. Logo, a presente consulta será respondida apenas em tese no que tange à possibilidade de incidência do ITCMD no processo de incorporação, e irá se restringir a esclarecimentos gerais sobre essa questão.

5. Ressalte-se que, no Estado de São Paulo, o ITCMD foi instituído pela Lei 10.705/2000 (regulamentado pelo Decreto 46.655/2002), a qual estabelece as transmissões causa mortis e doação como hipótese de incidência do imposto, nos termos do artigo 2º citada lei.

6. Isso posto, entende-se que a incorporação é a operação pela qual uma sociedade absorve outra ou outras, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações, conforme disposto nos artigos 1.116 a 1.118 do Código Civil e no artigo 132 do Código Tributário Nacional - CTN. Dessa forma, a empresa incorporada deixa de existir, sendo sucedida pela incorporadora em todos os direitos e obrigações, inclusive tributárias, tendo o seu patrimônio integralmente transferido ao da sociedade incorporadora que continuará com sua personalidade jurídica.

7. Diante de tal situação, é possível concluir que operações regulares de incorporação de empresas, realizadas nos termos dos artigos 1.116 a 1.118 do Código Civil, e visando os fins que lhe são próprios, não se caracterizam, em regra, como fato gerador do ITCMD.

8. Todavia, o mesmo não pode, necessariamente, ser dito de eventual doação de bens, em decorrência de distribuição desproporcional de quotas aos sócios por ocasião da incorporação societária, sem a devida contrapartida pecuniária.

9. Com efeito, o ITCMD incide sobre a transmissão de qualquer direito havido por doação, sujeitando-se a esse imposto a transmissão de qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia (artigo 2º, inciso II, artigo 3º, inciso I, ambos da Lei 10.705/2000).

10. Dito isso, cabe-nos registrar que, regra geral, a base de cálculo do ITCMD é o valor de mercado do bem ou direito transmitido (artigo 9º, caput e § 1º). Contudo, o artigo 14 da Lei 10.705/2000 estabelece que:

"Artigo 14 - No caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9º, 10 e 13, a base de cálculo é o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo.

§ 1º - À falta do valor de que trata este artigo, admitir-se-á o que for declarado pelo interessado, ressalvada a revisão do lançamento pela autoridade competente, nos termos do artigo 11.

§ 2º - O valor das ações representativas do capital de sociedades é determinado segundo a sua cotação média alcançada na Bolsa de Valores, na data da transmissão, ou na imediatamente anterior, quando não houver pregão ou quando a mesma não tiver sido negociada naquele dia, regredindo-se, se for o caso, até o máximo de 180 (cento e oitenta) dias. (Redação dada ao § 2º pelo inciso II do artigo 1º da Lei 10.922, de 21-12-2001; DOE 22-12-2001, efeitos a partir de 01-01-2002)

§ 3º - Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, admitir-se-á o respectivo valor patrimonial."

11. Da análise desse dispositivo, depreende-se que, mesmo aplicando-se o § 3º do artigo 14, o valor das quotas para apuração da base de cálculo, seria o mesmo do considerado no artigo 9º - o seu valor corrente de mercado - ou seja, a regra geral da base de cálculo do ITCMD.

11.1. Isso porque, de acordo com o "caput" do referido artigo 14, deve-se levar em conta para a apuração da base de cálculo dos bens móveis e direitos por ele abrangidos o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo. Os parágrafos 1º e 3º desse artigo admitem, e não impõem, modos diferentes para a apuração desse valor corrente de mercado - o valor que for declarado pelo interessado (§ 1º) ou o valor patrimonial (§ 3º).

11.2. Assim, mesmo aplicando-se o § 3º do artigo 14 ao presente caso, as quotas transmitidas devem, a priori, ser avaliadas conforme seu valor de mercado. O que pretendeu o legislador foi aproximar o máximo possível a base de cálculo do valor de mercado do bem ou direito transmitido, apenas admitindo outros critérios na dificuldade de se encontrar tal valor. Forçoso reconhecer, portanto, que o § 3º contém mera possibilidade, cuja adoção depende do consenso entre o Fisco e o contribuinte.

12. É importante ressaltar, também, a multiplicidade de variáveis envolvidas no cálculo de uma participação societária - cotação no mercado, expectativas de rentabilidade, relação custo/benefício, cenário econômico, análise setorial, entre outras - destacando-se o papel importante de informações não contábeis, sendo por demais simplista delimitar o valor de uma quota ou ação com base apenas no patrimônio líquido da empresa. A matéria envolve questões complexas, possuindo estreita ligação com problemas de economia, avaliação de ativos e análise de investimentos.

13. Nesse sentido, andou bem o legislador ao usar a expressão "admitir-se-á" no § 3º do artigo 14, tendo em vista a dificuldade na apuração do valor de mercado de quotas representativas do capital social de sociedades.

14. Ademais, como se não bastasse a infinidade de elementos necessários para se atribuir valor às participações societárias, o próprio elemento "valor patrimonial" não é conceito único, se dividindo em valor patrimonial contábil e valor patrimonial real. Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho ensina:

"Podem-se considerar duas modalidades de valor patrimonial: o contábil e o real. Nas duas, o divisor é o número de ações emitidas pela companhia, variando o dividendo. O valor patrimonial contábil tem por dividendo o patrimônio líqüido constantes das demonstrações financeiras ordinárias da sociedade anônima, quer dizer, aquelas que ela está obrigada a levantar ao término do exercício. O instrumento que, especificamente, contém a informação é o balanço. A medida do patrimônio líquido ostentada pelo balanço ordinário, contudo, não raras vezes, encontra-se defasada. O valor em reais atribuído a cada bem ou direito do ativo, bem assim a exata e atualizada mensuração do passivo podem não retratar, de forma adequada, a situação real do patrimônio da sociedade, ou seja, pode ser que, no mercado, os bens do patrimônio social, se fossem postos à venda, alcançassem preços diferentes, menores ou maiores, dos valores referidos na demonstração contábil. Dois são, basicamente, os motivos da defasagem: em primeiro lugar, com o passar do tempo, tende a oscilar o valor dos bens da sociedade, e nem sempre a oscilação é devidamente reavaliada e apropriada; em segundo, os critérios para classificar ou quantificar determinado fato contábil são, em parte, discutíveis. Desse modo, os dados constantes das demonstrações financeiras podem acabar tornando-se infiéis à realidade da companhia. O instrumento contábil perde, como se costuma dizer, a sua consistência, justificando-se a reavaliação dos ativos e a conferência dos lançamentos, com vistas à elaboração de novo balanço patrimonial. Trata-se de balanço de "determinação", cujo objetivo é possibilitar o cálculo do valor patrimonial "real" da ação" (Curso de direito comercial, v.2 - São Paulo: Saraiva, 1999, p.85-86).

15. Em consonância com esse raciocínio, o valor patrimonial mencionado no § 3º só pode ser o valor patrimonial real, que é o que mais se aproxima do valor de mercado.

16. Nesse sentido, concluímos que, para efeitos de cálculo do ITCMD, o valor a ser atribuído às quotas deve refletir o seu valor de mercado (conforme os artigos 9º e 14, "caput"), podendo ser admitido o valor patrimonial desde que se leve em conta o valor patrimonial real, ou seja, aquele que mais se aproxima do valor de mercado (valor com que referidas quotas de patrimônio seriam passíveis de ser negociadas no mercado - preço de venda).

17. Cabe registrar, ainda, que à "Fazenda" estará sempre reservado o direito de não concordar "com o valor declarado ou atribuído ao bem ou direito" e buscar, pelos meios que lhe são próprios, o correto valor de mercado do bem ou direito transmitido (de forma análoga ao artigo 11 da Lei 10.705/2000).

18. Feitas essas considerações, convém ressaltar que, no caso em tela, por existir a possibilidade de doação, deverá ser verificado se os bens da incorporada foram ou não atualizados a seu valor justo, quando da incorporação, nos termos previstos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) no Pronunciamento Técnico CPC 15 (R1), com o correspondente reflexo nas quotas dos sócios, ou se a distribuição de quotas societárias foi feita de forma desproporcional, sem a devida compensação pecuniária. Nesse último caso, a incorporação pode acabar por se configurar como uma transferência voluntária (doação) do patrimônio de um sócio para o outro, caracterizando-se, portanto, como hipótese de incidência do ITCMD.

19. Ademais, não se pode perder de vista a possibilidade da utilização do instituto da incorporação de empresas, ou mesmo da integralização de capital social (regulados pelo direito civil e empresarial), para ocultar ou simular negócios jurídicos com objetivo de se esquivar do pagamento de tributos. Nessa situação, de acordo com o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, a autoridade fiscal está autorizada a desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Consequentemente, quando verificada na situação concreta a utilização formal de atos e negócios jurídicos estruturados desprovidos de essência negocial ou ainda, eivados de vícios para encobrir materialmente outros, de natureza diversa, para, assim, suprimir o real fato gerador da obrigação tributária, então, esses negócios poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativa, para que haja a autuação de acordo com o fato gerador materialmente praticado.

20. Adicionalmente, informamos que compete à Consultoria Tributária, tão somente, manifestar-se sobre a interpretação e a aplicação da legislação tributária estadual, não fazendo parte das atribuições deste órgão consultivo a emissão ou autorização para a expedição de certidão de isenção ou não incidência do ITCMD, tampouco a análise de documentação relacionada aos atos praticados pelo contribuinte, nem o cálculo de eventual imposto ou sua conferência para o devido recolhimento ou de verificação da ocorrência de hipóteses de isenção tributária (artigos 510 e seguintes do RICMS/2000, combinados com o artigo 31-A da Lei 10.705/2000 e o artigo 66 do Decreto 66.457/2022).

21. Dessa forma, caso seja de seu interesse, recomenda-se que a Consulente procure o Posto Fiscal para solicitar a análise pretendida, apresentando toda a documentação e as informações pertinentes ao caso concreto por meio de protocolo efetuado no Sistema de Peticionamento Eletrônico - SIPET (Portaria CAT 83/2020), de acordo com o item 4.1.1 do inciso III do artigo 1º, c/c inciso I do artigo 61, ambos da Resolução SFP 3/2025.

22. Com esses esclarecimentos, considera-se sanada a dúvida apresentada pela Consulente.

Nota:

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Base Legal: Resposta à Consulta nº 31.548, de 12/06/2025.
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