Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.

Resposta à Consulta nº 31.466, de 14/05/2025

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 31466/2025, de 14 de maio de 2025.

Publicada no Diário Eletrônico em 15/05/2025

Ementa

ICMS - Card games - Imunidade.

I. As operações de circulação de mercadorias do tipo "card games" não são albergadas pela imunidade prevista para livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão, por não se enquadrarem no conceito desses itens (artigo 150, VI, "d", da Constituição Federal). Assim, as operações de circulação destas mercadorias devem ser regularmente tributadas pelo ICMS.

Relato

1. A Consulente, que tem por atividade econômica principal declarada no Cadastro de Contribuintes do Estado de São Paulo (CADESP) o "comércio varejista de livros" (CNAE 47.61-0/01), ingressa com sucinta consulta questionando, em suma, a aplicação da imunidade tributária contida no artigo 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal sobre operações com mercadorias denominadas "Cards Pokémon".

2. Nesse contexto, a Consulente informa que planeja realizar a compra de "cartas do Pokémon" comercializadas como brinquedos pelos seus fornecedores utilizando o código 9504.90.80 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) e revendê-las como "livros" ou "materiais educativos" utilizando o NCM 4901.99.00 nessas operações, sem modificação física da mercadoria inicialmente adquirida e aplicando a imunidade tributária prevista na legislação.

3. Prossegue citando o artigo 150, inciso VI, alínea "d" da Constituição Federal que trata da imunidade tributária aplicada aos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão e indicando a existência de decisão judicial que reconheceu a extensão do entendimento às cartas Pokémon.

4. Nesse sentido, indica a decisão monocrática da Ministra Cármen Lúcia na ADPF nº 708, publicada em 29/04/2021, que equiparou as cartas Pokémon a livros, por seu caráter educativo e cultural.

5. Expõe que tal decisão judicial gerou dúvidas sobre sua aplicação em operações de revendas internas quando a mercadoria é adquirida como "brinquedo", de tal forma que "busca esclarecer se a interpretação do artigo 150, VI, "d" da Constituição, conforme fundamentada na ADPF 708, permite a reclassificação das cartas Pokémon de "brinquedos" (NCM 9504.90.80) para "livros" (NCM 4901.99.00) em sua operação de revenda, isentando-a de tributos como o ICMS, mesmo sem alteração no produto e apesar da classificação distinta na nota fiscal de entrada emitida pelo fornecedor."

6. Diante disso, apresenta as seguintes dúvidas:

6.1. A decisão judicial fundamentada na ADPF 708 permite a "reclassificação" das cartas de Pokémon de "brinquedos" (NCM 9504.90.80) para "livros" (NCM 4901.99.00), de tal feita que a operação de revenda seja imune de tributação?

6.2. Em caso de resposta afirmativa ao subitem 6.1, quais procedimentos fiscais a serem adotados na emissão da Nota Fiscal (NF-e) de saída para não destacar o ICMS; considerando que na Nota Fiscal de aquisição a mercadoria foi classificada como "brinquedo"?

Interpretação

7. Preliminarmente, cabe trazer à baila breve histórico do entendimento desta Consultoria Tributária sobre a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição Federal e sua evolução ao longo do tempo.

8. O antigo entendimento desta Consultoria Tributária acerca da imunidade prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição Federal era de que, embora se trate de norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, a imunidade em referência estaria vinculada ao papel como elemento de sua fabricação/impressão, e dessa forma não alcançaria edições efetuadas ou disponibilizadas por quaisquer outros meios diferentes daquele da impressão em papel.

9. Por essa mesma linha de entendimento, a referida imunidade tributária não se estendia a materiais complementares, ainda que acompanhassem os livros (independentemente de os materiais estarem soltos, anexados ou grampeados ao livro), mesmo que necessários à compreensão ou aprendizado do seu conteúdo. Para estarem albergados pela imunidade, o conteúdo deveria estar compreendido na própria editoração e paginação do livro, mesmo que de forma destacável, mas se encontrando lado a lado com os demais textos. Também estaria albergado pela imunidade o material que possuísse as características de um livro, jornal ou periódico, com o devido ISBN ("International Standard Book Number"), ISSN ("International Standard Serial Number") ou outro registro necessário à caracterização como livro, jornal ou periódico.

10. No entanto, diante de decisões recentes do Supremo Tribunal Federal ("STF"), o entendimento desta Consultoria Tributária evoluiu, adequando-se aos entendimentos emanados pela Suprema Corte. Nesse sentido, duas decisões mostraram-se paradigmáticas, quais sejam: (i) RE 330.817/RJ - Súmula Vinculante nº 57 (aplicação da imunidade aos livros, jornais e periódicos digitais - desmaterialização do suporte em papel); e (ii) RE 595.676/RJ - tese do Tema nº 259 de Repercussão Geral (aplicação da imunidade aos componentes de livros e fascículos impressos que componham unidade didática).

11. Acerca da conciliação da decisão RE 330.817/RJ - Súmula Vinculante nº 57 com o entendimento anterior desta Consultoria Tributária, foi emitida a Resposta à Consulta nº 16536/2017, com diversas manifestações posteriores em sentido similar (ex.: Respostas nº 17474/2018, 19663/2019, 22537/2020, 24690/2021, 25331/2022, 27183/2023, dentre outras). Por meio dessas Respostas a Consultas (e outras), consignamos o entendimento de que a Suprema Corte, por uma interpretação evolutiva e finalística, alargou a referida imunidade para abranger o moderno conceito de livro, em função das inovações tecnológicas, tendo havido a desmaterialização física no conceito de livro (desnecessidade do suporte em papel). O certo, todavia, é que a necessidade de ser livro permanece. Isso é, ainda que a imunidade também alcance a versão eletrônica, ela permanece limitada ao conceito de livros, jornais e periódicos.

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12. Já, em face da decisão RE 595.676/RJ - tese do Tema nº 259 de Repercussão Geral, foi emitida a Resposta à Consulta nº 19910/2019, em que consignamos o entendimento de que a referida imunidade pode ser estendida para albergar itens complementares aos livros didáticos, desde que o material integre um conjunto didático. Para tanto, e em conformidade com o dito pelo STF, o material complementar: (i) não deve ter autonomia em relação ao item imune; (ii) deve ter finalidade exclusivamente didática; e (iii) deve existir razoabilidade na complementariedade entre os materiais e livros. Portanto, ainda que, por meio de uma interpretação teleológica e sistemática, o STF tenha, para facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação, alargado a abrangência da referida imunidade para abarcar materiais complementares que tenham função didática e informativa em auxílio aos livros e periódicos que os acompanham, fica claro que o livro deve ter preponderância.

13. Assim, embora em ambas as decisões da Suprema Corte, seguidas por esta Consultoria Tributária, tenha se tentado maximizar a axiologia da norma (promoção da educação, garantia do princípio da liberdade de manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, facilitando e estimulando a circulação de ideias, direito de informar e de ser informado, liberdade de imprensa etc.), a essência de ser livro permanece.

14. Por fim desta parte histórica, também se faz necessário mencionar o posicionamento da Suprema Corte sobre a aplicação da imunidade em referência à mercadoria "álbum de figurinhas" (RE 221.239/SP, dentre outras). O entendimento da Suprema Corte, ao analisar a aplicação da norma imunizante sobre essa mercadoria, é de que ela não faz ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. Assim, não cabe ao intérprete tal análise subjetiva, devendo a norma ser aplicada para maximizar sua teleologia e, assim, evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação.

15. Feito esse longo introdutório da interpretação da Suprema Corte sobre a norma imunizante em referência e a adoção do referido entendimento por esta Consultoria Tributária, passamos à análise da referida norma imunizante sobre a mercadoria em tela ("Cards Pokémon"), considerando, ainda, as diretrizes traçadas nesse histórico.

16. De início, verifica-se que a jurisprudência mencionada, "ADPF 708", não guarda qualquer relação com o tema da consulta tributária, de maneira tal que se depreende que foi citado de maneira equivocada, sendo que a Consulente objetivava mencionar o julgado ARE 1.253.322/SP.

17. Prosseguindo, sobre o ARE 1.253.322/SP, cabe informar que não foi expedido pelo Plenário da Suprema Corte. Além disso, salvo melhor juízo, sobre os denominados "card games" não foi editada Súmula Vinculante, nem tampouco tais "cards" foram tema Repercussão Geral. Assim, a referida decisão não vincula este órgão consultivo e o tema poderá ser reexaminado pelo Supremo Tribunal Federal em Plenário, o que nos parece importante, tendo em vista a clara distinção existente entre livros e complementos de livros, ou ainda entre álbuns de figurinhas e as figurinhas que os complementam.

18. De fato, conforme visto na parte introdutória desta Resposta, não se nega que a norma imunizante tenha que ser interpretada de forma teleológica, de forma a maximizar o acesso à educação, à cultura e à informação, valores considerados fundamentais em um Estado Democrático de Direito. No entanto, do conceito de livros, jornais e periódicos não se pode desgarrar. Isso é, ainda que, por meio de uma interpretação teleológica e finalística, a norma imunizante de índole inicialmente objetiva tenha sofrido um processo de subjetivização para maximizar seus objetivos axiológicos, ela não pode ser desvirtuada para passar albergar o que livro/periódico/jornal não é e que com ele diretamente não se relaciona.

19. Decerto, os "cards" objeto da presente consulta não são meras figurinhas colecionáveis diretamente relacionadas com uma história de ficção contada em um livro. E cabe fazer a ressalva de que aqui não se faz qualquer juízo de valor acerca do teor e do conteúdo artístico ou cultural da obra. É que, a bem da verdade, trata-se de um brinquedo lúdico para crianças e adolescentes, que a norma imunizante jamais pretendeu abarcar. E lembre-se que como jogos tais "cards" são tratados, não só pelo Fisco, mas pelo público consumidor e pelos próprios fornecedores.

20. Nesse sentido, destaca-se que o fabricante das referidas "cartas de Pokémon" enquadra a mercadoria como brinquedo/jogo (NCM 9504.90.80), conforme relatado pela Consulente, e em seu site na internet, descreve o produto como "um jogo de cartas colecionáveis", nos quais os personagens "são representados pelo seu baralho, que pode ser personalizado com as próprias cartas com diferentes estratégias". Neste mesmo site, há informações sobre torneios e "links" para acesso às regras do jogo, assim como a informação de que os "cards" adquiridos são randômicos, havendo cartas comuns e raras (https://copag.com.br/pokemon ; https://copag.com.br/pokemon/conheca_o_jogo ; e https://copag.com.br/pokemon/blog/detalhes/11589-2 - últimos acessos em 07.05.2025).

21. De modo similar, o público infantojuvenil e consumidor não tratam os referidos "cards" como livro, mas sim, como brinquedos a serem jogados em horas recreativas de lazer.

22. Desse modo, não há sentido que para seu fornecedor e para o público consumidor o produto seja encarado como brinquedo/jogo (dado que na realidade fática assim o é) e apenas o Fisco, para fins de benefícios tributários, trate a mercadoria como livro.

23. A bem da verdade, a única relação dos "cards" com livros e periódicos estaria no fato de estarem dispostos em suporte físico, de papel ou similares, sendo que como visto, o próprio STF tratou de desgarrar o conceito de livro da existência do suporte físico papel e similares (que, até então, diga-se, era condição necessária, mas não suficiente para aplicação da imunidade em referência).

24. E nem se diga que os "cards" devem estar ao alcance da imunidade por se tratar de ilustrações relacionadas a personagens de obras literárias do segmento gibis e similares, que assim complementam e difundem os livros daquela franquia de literatura. Primeiro porque não configuram unidade didática, dado que são vendidos separadamente e sem qualquer relação direta, têm utilidade autônoma em relação a livros e revistas e não são exclusivamente didáticos, não perfazendo assim quaisquer dos requisitos comentados na Resposta à Consulta nº 19910/2019 e contidos no RE 595.676/RJ. Segundo porque, atualmente, diversas outras mercadorias também cumprem o papel de difundir a cultura e a manifestação do pensamento auxiliando na promoção dos livros infantojuvenis (tais como: bonecos, jogos eletrônicos, fantasias etc.), mas nem por isso são alcançadas pela referida imunidade, já que com livros, evidentemente, não se confundem.

25. Nesse ponto, não pode se perder de vista que praticamente todos os jogos e brinquedos têm fatores lúdicos e que auxiliam na transmissão de informações e acesso à cultura para o desenvolvimento da criança, mas nem por isso devem ser considerados livros ou periódicos para fins da norma imunizante. Assim, se o objetivo do constituinte fosse imunizar toda e qualquer atividade de manifestação cultural que transmitisse conhecimento para o público infantojuvenil, assim o teria feito e não teria delimitado a norma imunizante aos conceitos de "livros", "periódicos" ou "jornais". Portanto, ainda que se leve em consideração os objetivos axiológicos da norma imunizante para ampliar seu alcance, isso não pode ser feito de forma a desconfigurar o conceito de livro.

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26. Com efeito, esse entendimento não é novo e nem é exclusivo desta Consultoria Tributária. Do oposto, encontra guarida na própria Suprema Corte, que na paradigmática decisão RE 330.817/RJ assim manifestou-se:

"2. A imunidade dos livros, jornais e periódicos e do papel destinado a sua impressão não deve ser interpretada em seus extremos, sob pena de se subtrair da salvaguarda toda a racionalidade que inspira seu alcance prático, ou de transformar a imunidade em subjetiva, na medida em que acabaria por desonerar de todo a pessoa do contribuinte, numa imunidade a que a Constituição atribui desenganada feição objetiva." (grifos nossos).

27. Portanto, é elemento essencial que o objeto possa ser considerado livro, jornal ou periódico ou, ao menos, compor uma unidade didática com o livro, jornal ou periódico, para que, assim, se sujeite à imunidade.

28. Desse modo, em relação aos "cards games", o que distancia a presente resposta do julgado ARE 1.253.322/SP não é o entendimento jurídico da referida norma imunizante (tanto o STF quanto esta Consultoria Tributária adotam o entendimento de que conteúdo axiológico da norma imunizante deve ser maximizado, mas que essa maximização não pode deturpar o conceito de livro ou periódico). O que diferencia, então, é o exame sobre a realidade fática do bem, qual seja, a constatação de que os "card games" não podem ser comparados e enquadrados no conceito constitucional de livros e periódicos, ainda que este seja ampliado para maximizar a axiologia da norma jurídica imunizante, havendo clara distinção entre os referidos "cards" e as figurinhas que compõem os álbuns alcançados pela imunidade - "distinguishing" que não foi examinado pelo STF.

28.1. Reitera-se que para todo o público, seja o público consumidor, infantojuvenil e responsáveis, seja o público produtor, os "card games" são tratados como brinquedos, jogos, e não livros ou periódicos. Não é cabível que, apenas para fins tributários, no intuito de menor tributação, sejam tratados como livros e periódicos.

29. Assim, em resposta à Consulente, as operações com a mercadoria "Cards Pokémon" não são alcançadas pela imunidade constitucional do artigo 150, VI, "d", da Constituição Federal, de modo que devem ser regularmente tributadas.

30. Por fim, cabe pontuar que a classificação fiscal de determinado produto segundo as regras da NCM é responsabilidade do contribuinte e que a Receita Federal do Brasil é o órgão competente para a apreciação de consulta sobre a classificação fiscal de mercadorias. Contudo, não pode haver mais de uma classificação na NCM para um mesmo produto. Assim, caso a classificação na NCM adotada pelos fornecedores esteja correta, deve o destinatário (Consulente) adotar a mesma classificação; não podendo, consequentemente, adotar uma NCM distinta em sua escrituração.

31. Nestes termos, dá-se por respondidos os questionamentos efetuados pela Consulente.

Nota:

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Base Legal: Resposta à Consulta nº 31.466, de 14/05/2025.
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