Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.

Resposta à Consulta nº 28.798, de 16/04/2024

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 28798/2023, de 16 de abril de 2024.

Publicada no Diário Eletrônico em 17/04/2024

Ementa

ICMS - Imunidade (artigo 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição Federal) - Decisão judicial transitada em julgado.

I. É vedado aos Estados instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços relacionados com as finalidades essenciais das instituições de assistência social, sem fins lucrativos.

II. O ICMS tem como objeto as operações relativas à circulação de mercadorias, não se enquadrando, assim, no conceito de impostos sobre o patrimônio, a renda e serviços.

III. O cumprimento de decisão judicial transitada em julgado deve ocorrer nos estritos termos da sentença.

Relato

1. A Consulente, enquadrada no Regime Periódico de Apuração (RPA), por meio de filial que declara exercer, como atividade principal, "cantinas - serviços de alimentação privativos" (CNAE 56.20-1/03), apresenta consulta com o objetivo de cientificar esta Secretaria da Fazenda e Planejamento acerca do trânsito em julgado da decisão judicial proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em Recurso Extraordinário, bem como obter esclarecimentos acerca do procedimento adequado para a extinção do crédito tributário nos moldes do artigo 156, inciso X, do Código Tributário Nacional (CTN), em razão de decisão judicial reconhecendo a sua imunidade tributária.

2. Informa ser uma associação privada de natureza beneficente, de caráter religioso, educacional e cultural, sem fins econômicos e sem fins lucrativos, com atividade preponderante na área da educação e filantropia, sendo mantenedora de algumas filiais no Estado de São Paulo.

3. Assevera que no âmbito das atividades beneficentes realizadas na área da educação, mantém em funcionamento lojas para vendas de uniformes e cantinas para vendas de alimentos, como forma de custeio e obtenção de recursos para realização das finalidades estatutárias da associação.

4. Transcreve o artigo 150, VI, alínea "c", da Constituição Federal (CF), o qual veda a instituição de impostos às instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, e o artigo 9º do CTN, que veda aos Estados cobrar impostos sobre instituições de educação, sem fins lucrativos, desde que essas i) não distribuam seu patrimônio ou rendas; ii) apliquem integralmente no País os seus recursos; iii) mantenham escrituração de suas receitas, afirmando que preenche todos os requisitos, conforme previsto em seu próprio Estatuto Social.

5. Prossegue informando que possui uma decisão judicial favorável transitada em julgado, reconhecendo a abrangência da imunidade prevista no artigo 150, inciso IV, alínea "c", da Constituição Federal ao ICMS e, desta forma, considerando que não existe mais a possibilidade de recurso, entende que se faz necessário extinguir os créditos tributários relacionados ao recolhimento do ICMS pelas suas unidades filiais, conforme reza o artigo 156, inciso X, do CTN.

6. Assim, solicita esclarecimentos sobre qual o procedimento a ser seguido para o correto lançamento das informações no cumprimento das obrigações fiscais e legais junto à Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, tendo em vista o reconhecimento da abrangência da imunidade tributária, bem como a necessária extinção do crédito tributário e, diante disso, questiona:

6.1. Quais ações deverão ser realizadas nas operações de revendas e na área fiscal em decorrência do deferimento da imunidade?

6.2. Quais alterações deverão ser realizadas nos "sistemas de vendas (PVD)" e nos cadastros dos produtos para informar a imunidade e não tributar o ICMS?

6.3. Tendo em vista a imunidade em questão, nas operações interestaduais em que há o diferencial de alíquotas (DIFAL), quais ações deverão ser realizadas para não tributar o imposto?

6.4. Em relação ao aproveitamento do crédito do ICMS relativo à aquisição de produtos para comercialização, a apropriação do crédito não deverá ocorrer?

Interpretação

7. Inicialmente, consignamos que, conforme a competência estabelecida aos Estados pelo artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, o ICMS incide sobre "operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação".

8. Nesse passo, a imunidade constitucionalmente estabelecida no artigo 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição Federal de 1988, veda aos Estados, entre outros entes federados, instituir impostos sobre "patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei". No entanto, essa vedação abrange tão-somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as "finalidades essenciais" de tais entidades (§ 4º do artigo 150 da Constituição Federal).

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9. Já o ICMS, afora as prestações de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação, tem como objeto as operações relativas à circulação de mercadorias, não se enquadrando, assim, no conceito de impostos sobre o patrimônio, a renda e serviços. Consequentemente, nas operações de circulação de mercadorias incide o ICMS - exceto em relação à operação amparada por isenção ou não incidência, expressamente prevista na legislação tributária desse imposto.

10. Assim, cumpre esclarecer que este órgão consultivo entende que esse dispositivo constitucional proíbe, tão-somente, a cobrança de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços das entidades ali especificadas, entre as quais se encontram as instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos.

11. Nesse sentido, ainda, lembramos as reflexões do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, em sua obra: "Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário", 6ª edição, página 349:

"A imunidade das instituições de educação e assistência social as protege da incidência do IR, dos impostos sobre o patrimônio e dos impostos sobre serviços, não de outros, quer sejam as instituições contribuintes "de jure" ou "de facto". Destes outros só se livrarão mediante isenção expressa, uma questão diversa".

12. Não obstante, a Consulente, associação beneficente de caráter religioso, educacional e cultural, sem fins lucrativos, com atividade preponderante na área da educação e filantropia, propôs ação ordinária para "afastar a incidência do ICMS sobre suas atividades meio (assessorias administrativas, livrarias, papelarias, lanchonetes, cantinas escolares, escolas de esportes, espaços verdes, vendas pela internet, dentre outros)", em razão de imunidade tributária, nos termos do artigo 150, inciso IV, alínea "c", da Constituição Federal.

13. Após a publicação de acórdão desfavorável ao seu pedido no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a Consulente interpôs Recurso Extraordinário, o qual foi julgado procedente no Supremo Tribunal Federal, "para reconhecer a abrangência da imunidade prevista no art. 150, IV, c, da CF, sobre patrimônio, renda e serviços que, embora não se revelem envolvidos diretamente nas ações assistenciais da recorrente, os resultados de sua exploração sejam destinados às atividades essenciais do ente imune".

13.1. Dessa forma, em que pese o entendimento deste órgão consultivo, a referida decisão judicial deve ser cumprida, em seus estritos termos, restando afastada a incidência do ICMS sobre as atividades meio da Consulente, desde que os resultados de sua exploração sejam destinados às suas atividades essenciais.

14. Não obstante, o artigo 9º do RICMS/2000 traz a definição de contribuinte em sentido estrito, incluindo nesse conceito aquele que habitualmente ou com intuito comercial realiza operações de circulação de mercadorias ou presta serviços de transporte interestadual ou intermunicipal ou de comunicação, sem qualquer ressalva quanto à eventual aplicação de normas de imunidade ou de isenção, ainda que tais normas sejam espécies de não incidência do ICMS.

14.1. Ademais, o artigo 19, inciso XII, prevê que as entidades de assistência social que pratiquem com habitualidade operações relativas à circulação de mercadoriadevem se inscrever no Cadastro de Contribuintes do ICMS.

15. Assim, a Consulente, por praticar com habitualidade a venda de mercadorias, mesmo que se enquadre como entidade assistencial, deve estar inscrita no cadastro de contribuintes deste Estado e submeter-se às regras do Regulamento do ICMS.

16. Portanto, independentemente do fato de a imunidade relativa ao pagamento do imposto ter sido reconhecida por decisão judicial com trânsito em julgado, aquele que promove operações relativas à circulação de mercadoria não está desobrigado da inscrição estadual no cadastro de contribuintes e nem do cumprimento das obrigações acessórias referentes à emissão de documentos fiscais e escrituração de livros fiscais, entre outras obrigações previstas na legislação do ICMS (artigo 498, caput e § 1º, do RICMS/2000).

16.1. Ressalte-se, inclusive, que estando a imunidade condicionada à destinação dos resultados da venda de mercadorias às atividades essenciais da Consulente, entende-se que ao Estado de São Paulo permanece assegurada a competência para fiscalizar a destinação de tais resultados e o cumprimento do disposto no artigo 14 do CTN, se for o caso.

17. Dessa forma, a Consulente estará obrigada à emissão de Nota Fiscal para amparar as saídas das mercadorias, nos termos do artigo 125, inciso I, do RICMS/2000. Orientamos que a informação de que se trata de saída não tributada de mercadoria em razão de decisão judicial seja consignada no campo "Informações Complementares" do documento fiscal que acobertar a operação, indicando os dados da referida decisão, bem como o número desta Resposta à Consulta.

18. Com relação às aquisições interestaduais realizadas pela Consulente na condição de consumidora final, deve-se destacar que a previsão de recolhimento do diferencial de alíquotas não visa onerar a atividade da Consulente, mas, em vez disso, igualar a carga tributária incidente em suas aquisições internas e interestaduais, evitando que as aquisições interestaduais (sujeitas à alíquota de 12%) fossem realizadas com carga tributária inferior às aquisições internas (sujeitas, como regra, à alíquota de 18%), o que feriria, por óbvio, as disposições do artigo 152 da Constituição Federal, segundo o qual é vedado "estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino".

18.1. Dessa forma, dados os termos da decisão judicial obtida pela Consulente, que se limitou a afastar a incidência do ICMS sobre suas atividades meio, não tendo enfrentado a questão suscitada no questionamento ora em análise, permanece a obrigação de recolhimento do diferencial de alíquotas (DIFAL) para o Estado de São Paulo, em suas aquisições interestaduais com carga tributária inferior à incidente nas operações internas.

19. Observamos, ainda, que não há que se falar em aproveitamento de crédito referente às aquisições realizadas pela Consulente, tendo em vista que a saída subsequente não será tributada, sendo vedado o crédito nos termos do inciso II do § 3º do artigo 20 da LC 87/1996 (inciso III do artigo 66 do RICMS/2000), sendo certo que a Constituição Federal assegura a manutenção do crédito, em casos análogos, apenas quanto às exportações, conforme previsto expressamente na alínea "a" do inciso X do § 2º do artigo 155.

Nota:

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Base Legal: Resposta à Consulta nº 28.798, de 16/04/2024.

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