Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.
Publicada no Diário Eletrônico em 04/08/2023
ICMS - Obrigações acessórias - Prestação de serviço de transporte realizada sem cobrança monetária de valor da tomadora do serviço - Compensação por indenização - Incidência - Emissão de Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e).
I. Em linhas gerais, o prestador do serviço de transporte é aquele que assume a responsabilidade pela movimentação de carga alheia. Se a prestação de serviço de transporte for intermunicipal ou interestadual, há incidência do ICMS e enseja a emissão de Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e).
II. É gratuito o negócio jurídico em que somente uma das partes aufere benefício ou proveito, isso à custa do sacrifício da outra parte. A gratuidade não significa a simples falta de recebimento de um preço, um valor, correspondente a uma espécie pecuniária.
III. Nas prestações de serviço de transporte sem preço determinado, não sendo possível a mensuração fidedigna do respectivo preço da prestação, a base de cálculo é o valor corrente do serviço no local da prestação (artigo 40 do RICMS/2000).
1. A Consulente, cuja atividade econômica principal declarada no Cadastro de Contribuintes do Estado de São Paulo (CADESP) é a "fabricação de outros produtos alimentícios não especificados anteriormente" (CNAE 10.99-6/99), ingressa com sucinta consulta sobre registro de documento fiscal emitido em relação a serviço de transporte prestado e não cobrado pela transportadora.
2. Nesse contexto, informa que é indústria alimentícia localizada no Estado de São Paulo e que contrata transportadoras para entregar seus produtos vendidos. Relata que, por razão de avarias em mercadorias transportadas, nas prestações seguintes, as transportadoras contratadas emitem Conhecimento de Transporte Eletrônico - CT-e com valores simbólicos.
3. Ao questionar as referidas transportadoras, a Consulente foi informada de que o CT-e é emitido por exigência fiscal, mas que o serviço é prestado a título de cortesia, decorrente de avarias ocorridas em cargas que estavam sob responsabilidade da transportadora em prestações anteriores.
4. Por sua vez, a Consulente entende que, em razão do artigo 736 do Código Civil, não existe serviço de transporte gratuito e que, com base na Resposta à Consulta 17795/2018, as transportadoras não deveriam emitir CT-e para acobertar esse transporte.
5. Porém, enquanto contribuinte do ICMS, e com fundamento do artigo 228 do RICMS/2000, a Consulente escritura todos os documentos fiscais, como tomadora de serviço de transporte, dos CT-es emitidos com os valores simbólicos, ainda que o pagamento de tais valores não seja efetivamente exigido pelo prestador.
6. Diante do exposto, a Consulente questiona qual deveria ser a tratativa ao receber os referidos CT-e sem valor financeiro, se é possível a manifestação de "desacordo da operação" ou o correto seria escriturá-los e realizar a baixa financeira/contábil apenas, tratando como desconto.
7. Preliminarmente, a Resposta à Consulta 17795/2018, refere-se a não emissão de CT-e, contudo, em situação fática distinta. Naquela resposta, há dois casos em que é manifestada a inexistência do serviço de transporte, quais sejam: (i) transporte de mercadoria diversa da pactuada; e (ii) transporte em retorno por recusa do destinatário, quando a mercadoria é avariada no trajeto original por culpa da transportadora. E, neste último caso, naquela mesma resposta especificou-se que o transporte original de mercadorias avariadas, em que se recebe parcela menor, é considerado como prestação de serviço de transporte efetivada. Ademais, em momento algum naquela resposta é analisada a nova prestação de serviço de transporte.
8. Nessa linha, observa-se ainda que, na presente consulta, não fica claro se a nova prestação de serviço de transporte tem os mesmos agentes (remetente, tomador, prestador e destinatário) e mesmo objeto (carga e trajeto) da prestação anterior em que a mercadoria foi avariada. Do que foi possível depreender, todavia, não se trata de continuação da prestação de serviço anterior, mas sim de nova prestação de serviço de transporte, distinta e independente da anterior. Depreende-se, ainda, que as "cortesias" não estão estipuladas em contrato e não se configuram como prêmio ou penalidade a serem aplicadas em serviço de transporte futuro. Do que se depreende do relato, trata-se apenas de não dispêndio financeiro (por parte da Consulente; ou recebimento financeiro, por parte das transportadoras) em razão de descumprimento contratual de prestação de serviço anterior.
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9. Desse modo, em suma, há uma nova prestação de serviço de transporte com mesmo tomador (Consulente) e prestador (transportadora), mas apenas o adimplemento da obrigação contratual por parte das transportadoras (pagamento) é feito por meio distinto de pagamento financeiro. Em outras palavras, a avaria causada na mercadoria transportada anteriormente gerou um direito de indenização à Consulente sendo que a transportadora efetiva a indenização por meio da prestação de um novo e distinto transporte, cujo pagamento, ao invés de quantia monetária, é feito por meio de compensação com o direito à indenização.
10. Nesse ponto, cabe reiterar que houve onerosidade na prestação do serviço em comento. Com efeito, a gratuidade não significa a simples falta de recebimento de um preço, um valor, correspondente a uma espécie pecuniária. A doutrina civil costuma considerar como gratuito o negócio jurídico em que somente uma das partes aufere benefício ou proveito, isso à custa do sacrifício da outra parte.
11. A informação de que a prestação não lhe é cobrada, conforme aponta a Consulente, não pode ser levada em consideração para, isoladamente, diante da ausência de fluxo monetário nessa prestação, concluir-se pela ausência de remuneração. Pelo contrário, como visto, a ausência do dispêndio financeiro em relação a este serviço de transporte é resultado da compensação do direito à indenização em razão de serviço anterior prestado erroneamente.
12. Como apontado pela Consulente, o artigo 736 do Código Civil, ao tratar do transporte de pessoas, expõe que "não se subordina às normas do contrato de transporte, o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia". Todavia, essa cortesia deve ser entendida como aquela ligada à amizade, à liberalidade, e não àquele usado pela Consulente, que, em um contexto empresarial, relaciona-se à bonificação, fidelização ou, como no presente caso, compensação por serviço anterior não regularmente prestado.
13. Até porque, é razoável supor que o contrato firmado pela Consulente e a tomadora do serviço de transporte, nesse contexto empresarial e mercantil, se subordina às normas gerais do contrato de prestação de serviço de transporte, sendo perfeitamente exequível, mesmo não havendo contraprestação pecuniária direta. Portanto, por não gratuito, inaplicável ocaputdo artigo 736 do Código Civil ao serviço de transporte em comento.
14. Ademais, o próprio o artigo 736 do Código Civil, em seu parágrafo único, dispõe que a ausência de remuneração direta não é condição suficiente para configurar a gratuidade do transporte. A saber: "não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas".
15. Nos termos acima expostos, nos serviços de transporte aqui em estudo, há bilateralidade e onerosidade, com interesse e proveito de ambas as partes. Com efeito, ambas as partes auferirão proveito da execução do serviço de transporte, de modo que sua onerosidade, ainda que não perfeitamente mensurável na prestação específica, é subentendida.
16. Nesse prisma, registra-se que o artigo 40 do RICMS/2000 expressamente determina que: "Nas prestações sem preço determinado, a base de cálculo é o valor corrente do serviço no local da prestação".
17. Sendo assim, ante todo o exposto, conclui-se que os serviços de transporte intermunicipais ou interestaduais aqui em análise devem ser regularmente tributados por ICMS e a base de cálculo se dará conforme os ditames do artigo 40 do RICMS/2000. Consequentemente, os CT-e referentes a essas prestações devem ser regularmente emitidos pelas transportadoras em face da Consulente, tomadora do serviço (artigo 152 do RICMS/2000 c/c artigo 1º, inciso I, da Portaria CAT 55/2009).
18. Nesse passo, e na medida em que os prestadores de serviço de transporte não só emitiram os CT-e em desacordo com o entendimento acima exposto, mas o fizeram com declaração inverídica (valor simbólico que não seria exigido do tomador) e a Consulente os escriturou, convém registrar que, de acordo com o inciso III do artigo 184 do RICMS/2000, será considerada desacompanhada de documento fiscal a operação ou a prestação acobertada por documento inábil, assim entendido, para esse efeito, aquele que contiver declaração falsa.
18.1. Ainda, conforme o artigo 203 do RICMS/2000, o destinatário da mercadoria ou serviço é obrigado a exigir documento fiscal hábil, com todos os requisitos legais, de quem o deva emitir, sempre que obrigatória a emissão, sob pena de se sujeitar às penalidades cabíveis.
19. Desse modo, tendo em vista que a Consulente e seus parceiros comerciais transportadoras estão agindo de modo diverso do exposto na presente consulta, recomenda-se que apresentem denúncia espontânea, nos termos do artigo 529 do RICMS/2000, para, assim, regularizarem esta situação e ficarem a salvo das penalidades previstas no artigo 527 do mesmo Regulamento.
Nota:
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.
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