Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.
Publicada no Diário Eletrônico em 29/01/2024
ICMS - Obrigações Acessórias - Industrialização por encomenda - Aplicabilidade da disciplina da industrialização por conta de terceiro.
I. Não é aplicável a disciplina da industrialização por conta de terceiro às operações em que o estabelecimento encomendante não seja contribuinte do ICMS.
II. A mercadoria deve ser entregue no estabelecimento do adquirente ou disponibilizada para retirada, pelo adquirente, no estabelecimento fornecedor, salvo em casos expressamente previstos na legislação.
1. A Consulente, que tem como atividade principal a "fabricação de outros produtos químicos não especificados anteriormente" (código 20.99-1/99 da CNAE) e, como secundária, a "fabricação de impermeabilizantes, solventes e produtos afins" (código 20.73-8/00 da CNAE), relata que, dentre os produtos que comercializa, estão "asfaltos, ligantes asfálticos, aditivos, emulsões asfálticas e cimento asfáltico de petróleo".
2. Cita o artigo 402 do Regulamento do ICMS (RICMS/2000) e afirma que pretende fornecer produtos asfálticos para a utilização em obras públicas, notadamente para Prefeitura de Município paulista, realizando a remessa desses produtos a estabelecimento de terceiros para industrialização por conta e ordem do cliente adquirente.
3. Esclarece que as operações que pretende realizar envolvem o insumo denominado de CAP - Cimento Asfáltico de Petróleo, classificado no código 2713.20.00 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que é utilizado no processo produtivo do concreto asfáltico - CBUQ - concreto betuminoso usinado a quente, classificado no código 2715.00.00 da NCM.
4. Acrescenta que, nesse processo, os agregados miúdos e graúdos (areia e brita) são misturados ao ligante quente (CAP) em uma usina de asfalto, ou seja, nas dependências de um estabelecimento de usinagem, para a produção do CBUQ, sendo que a preponderância do insumo CAP na produção do concreto asfáltico equivale a, "no mínimo, 5% (cinco por cento)". Expõe que o resultado desse processo produtivo é o produto final e acabado denominado CBUQ, que é destinado à aplicação na pavimentação de ruas e estradas.
5. Nesse contexto, indaga a respeito do procedimento para emissão dos documentos fiscais relativos a uma operação triangular interna de venda e revenda de produtos asfálticos entre fornecedor, no caso a Consulente, a Prefeitura de Município paulista, encomendante, não contribuinte do ICMS, e estabelecimento industrializador, contribuinte ou não do ICMS, contratado pelo órgão público para realizar a usinagem.
6. Inicialmente, registre-se que, pelo relato, esta resposta adotará a premissa de que operações tratadas na consulta são internas, de forma que todas as pessoas envolvidas estão no Estado de São Paulo.
6.1.Caso essa premissa não se confirme, a Consulente poderá retornar com nova consulta, esclarecendo detalhadamente a situação que suscita dúvida, nos termos dos artigos 510 e seguintes do RICMS/2000.
7. Posto isso, passamos a tecer alguns comentários sobre industrialização por encomenda. Ressalte-se que não é toda industrialização por encomenda que pode ser classificada como uma industrialização por conta de terceiro, sendo esta uma espécie daquele gênero. Desse modo, tendo o instituto da industrialização por conta de terceiro uma abrangência mais restrita, não é toda e qualquer industrialização por encomenda que pode se valer da disciplina legal dos artigos 402 e seguintes do RICMS/2000.
8. Com efeito, na acepção clássica do instituto da industrialização por conta de terceiro, visualizou-se a situação de o autor da encomenda fornecer todas — ou, senão, ao menos, as principais — matérias-primas empregadas na industrialização, enquanto ao industrializador cabe o fornecimento essencialmente da mão de obra, apenas com eventual acréscimo de alguma matéria-prima secundária. E essa é a hipótese normatizada pelos artigos 402 e seguintes do RICMS/2000.
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9. Sendo assim, no instituto da industrialização por conta de terceiro, criou-se uma ficção legal, aproximando-se o autor da encomenda da industrialização, como se este fosse o industrializador legal, para fins do ICMS, de modo tal que tudo se passa como se a industrialização fosse feita pelo próprio autor da encomenda, como se ele adquirisse as mercadorias empregadas no processo de industrialização e se creditasse do respectivo imposto. Dessa forma, essa sistemática tem em vista a remessa, pelo autor da encomenda, de todos os insumos, ou ao menos de parcela substancial dos insumos que serão empregados na industrialização, de modo que o industrializador será responsável pela mão-de-obra e, eventualmente, por outros materiais secundários.
10. Diferentemente, nos casos de industrialização por encomenda, em que o industrializador adquire por conta própria as matérias-primas substanciais a serem aplicadas na industrialização, sem intermédio do autor da encomenda, não há que se falar na sistemática dos artigos 402 e seguintes do RICMS/2000, recaindo-se nas regras ordinárias do ICMS.
11. No contexto do artigo 402 e seguintes do RICMS/2000, portanto, pressupõe-se que o autor da encomenda seja contribuinte do imposto ou, ao menos, inscrito e habilitado à emissão de documento fiscal, conforme entendimento trazido pela Resposta à Consulta Tributária 28241/2023 (disponível em https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/).
12. Não pode, então, a prefeitura figurar como autor da encomenda em operação de industrialização por conta de terceiros, pelo fato de não ser contribuinte do imposto e não estar habilitada à emissão de documentos fiscais.
13. Em função da informação trazida pela Consulente, de que o estabelecimento industrializador pode ser "contribuinte ou não do ICMS", deve-se atentar para o conceito de industrialização estampado na legislação tributária paulista. Nos termos do artigo 4º, inciso I, do RICMS/2000, para efeito de aplicação da legislação do imposto, considera-se industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para consumo, tal como a que, executada sobre matéria-prima ou produto intermediário, resulte na obtenção de espécie nova (transformação).
14. Da leitura do disposto no artigo 4º, inciso I, do RICMS/2000, verifica-se que o caso em análise se amolda perfeitamente à descrição da modalidade transformação, uma vez que o industrializador recebe da Consulente matéria-prima (CAP, NCM 2713.20.00) totalmente diversa do produto a que dará saída, fruto do exercício de sua atividade de industrialização (CBUQ, NCM 2715.00.00). Portanto, observa-se que, como já anteriormente manifestado por esta Consultoria Tributária, o produto resultante da industrialização configura uma mercadoria e sua saída está sujeita ao ICMS. Dessa forma, ainda que a encomenda seja feita para consumidor final, não contribuinte do ICMS, não há que se falar em mera prestação de serviço.
14.1. Nesse ponto, cabem algumas considerações teóricas sobre o tema. Salienta-se, inicialmente, que, como notório, a Constituição Federal, em linhas gerais, repartiu entre os entes federativos a competência da tributação sobre o consumo em função da etapa do ciclo econômico em que a atividade se encontra: industrial (União e Estados); comercial (Estados e Distrito Federal); e prestação de serviços (Municípios e Distrito Federal). Para tanto, ela dispõe, em seu artigo 155, inciso II, que aos Estados compete a tributação sobre as operações relativas à circulação de mercadoria e sobre a prestação dos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação e, em seu artigo 156, inciso III, que aos Municípios compete a tributação sobre os serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, inciso II, e definidos em lei complementar.
14.2. Sendo assim, dois requisitos mínimos são exigidos para que se considere determinada prestação de serviço abrangida pela competência municipal: (i) o serviço não pode estar compreendido no campo de incidência do imposto estadual; e (ii) o serviço deve estar previsto em lei complementar.
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14.3. Nesse sentido, uma atividade essencialmente comercial/industrial, ainda que precedida de uma atividade imaterial, não pode ser entendida como uma prestação de serviço. Considerar uma atividade econômica essencialmente industrial como inserida no campo de competência municipal representaria um desvirtuamento do próprio texto constitucional, que expressamente insere a circulação de mercadoria no campo de competência estadual (ICMS).
15. No caso concreto que ora se analisa, verifica-se que ocorre no estabelecimento do industrializador um processo de transformação do qual resulta uma nova espécie de produto, a massa asfáltica, que não se confunde com as matérias-primas utilizadas na sua fabricação (como o Cimento Asfáltico de Petróleo, remetido ao industrializador) ou com os demais insumos por ele adicionados.
16. Portanto, o processo de produção de CBUQ realizado pelo industrializador está plenamente caracterizado como industrialização, na modalidade "transformação", nos termos da alínea "a" do inciso I do artigo 4° do RICMS/2000. E a circunstância de a encomenda ser feita por não contribuinte do imposto (prefeitura) não altera o fato de que a atividade desenvolvida pelo industrializador seja caracterizada como industrialização de mercadoria. Consequentemente, a operação em comento se encontra sujeita à incidência do tributo estadual.
17. Ademais, corroborando o entendimento de que a atividade do industrializador consiste em industrialização e de que seu produto final é mercadoria, e não prestação de serviço, cabem alguns esclarecimentos adicionais.
17.1. Para efeitos da aplicação da legislação do ICMS, a massa asfáltica não se equipara ao concreto usinado - qual seja, aquele destinado a construções civis de prédios e outras edificações, preparado em caminhões betoneiras durante o trajeto até o local da obra.
17.1.1. Esse concreto usinado destinado a obras de construção civil deixou de sofrer a exigência do imposto estadual, sobre sua circulação, em virtude de decisão específica para ele (concreto), pacificada no âmbito do Poder Judiciário (Súmula 167 do Supremo Tribunal de Justiça - 11.09.1996). Esse entendimento tem por base o fato de o concreto usinado ser produzido exatamente com parâmetros técnicos (traço e cálculo estrutural) específicos e inerentes a cada obra em particular, com margens de tolerância em relação a desvios muito pequenas - devendo ser considerado como parte integrante do projeto de construção civil da obra - e não podendo ser utilizado em obra diversa daquela para a qual foi produzido. Assim, nesse caso específico, o ICMS deixou de ser exigido, em razão de jurisprudência pacífica dos tribunais superiores ter entendido se tratar de prestação de serviço técnico exclusivamente sujeito à incidência do ISS (Súmula 167 do Superior Tribunal de Justiça);
17.1.2. Já a massa asfáltica (como, por exemplo, o Cimento Betuminoso Usinado a Quente - CBUQ, utilizado comumente em recapeamento e pavimentação de ruas e rodovias) pode ser produzida de acordo com especificações técnicas padronizadas em função do tipo de pavimentação que se pretenda aplicar sobre o solo, havendo uma margem de tolerância em relação a possíveis desvios maior do que aquela verificada na produção do concreto usinado. Além disso, o número de combinações de mistura admitidas, que resultam em diferentes tipos de massa asfáltica, é infinitamente inferior às possíveis combinações de mistura utilizadas na produção do concreto usinado. Disso decorre que a massa asfáltica pode perfeitamente ser produzida para ser aplicada em qualquer obra de pavimentação do mesmo tipo, sem qualquer vínculo a um contrato de empreitada ou subempreitada. Por esse motivo, a massa asfáltica é mercadoria, e consequentemente, sua produção, é industrialização, sendo as operações com esse tipo de mercadoria sujeitas ao ICMS.
18. Isso posto, em resposta à indagação apresentada, não são aplicáveis as regras de industrialização por conta de terceiro nas operações entre a Consulente e a Prefeitura (encomendante). Portanto, entende-se, nessa hipótese, que a operação de venda de CAP pela Consulente para a Prefeitura é regularmente tributada, sem a suspensão do ICMS.
19. Em relação à remessa para o estabelecimento industrializador, é preciso considerar que a mercadoria deve ser entregue ao adquirente, destinatário indicado na Nota Fiscal, nos termos do artigo 127, II, do RICMS/2000, ou disponibilizada para retirada, pelo adquirente, no estabelecimento fornecedor, salvo em casos expressamente previstos na legislação, como a situação prevista nos §§ 4º e 7º do artigo 125 do RICMS/2000.
20. Assim, entende-se que, na situação descrita, o CAP deverá ser entregue pela Consulente à Prefeitura, destinatário indicado no documento fiscal, ou disponibilizado para retirada.
21. Após receber ou retirar o CAP adquirido, seu proprietário poderá encaminhá-lo ao estabelecimento industrializador, onde será empregado na fabricação de CBUQ. Como se trata de remessa por não contribuinte do imposto, não habilitado à emissão de documentos fiscais, a Prefeitura poderá registrar o envio por meio de documentos internos, não fiscais.
22. Por sua vez, ao receber o CAP, o industrializador deverá emitir uma NF-e de entrada, utilizando o CFOP 1.949, tendo a Prefeitura como remente, consoante o artigo 136, I, do RICMS/2000.
23. Já na saída do CBUQ do industrializador para a Prefeitura, deverá ser utilizado o CFOP referente à venda de produção do estabelecimento (CFOP 5.101 - "venda de produção do estabelecimento"), com o devido destaque do imposto sobre o valor da operação, fazendo constar o endereço do local da obra como o local de entrega.
24. Diante do exposto, consideramos respondidos os questionamentos apresentados pela Consulente.
Nota:
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.
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