Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.

Resposta à Consulta nº 26.005, de 31/03/2023

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 26005/2022, de 31 de março de 2023.

Publicada no Diário Eletrônico em 03/04/2023

Ementa

ITCMD - Cessão voluntáriados direitos de uso e habitação sobre bem imóvel, por ato não oneroso - Incidência.

I. Acessão voluntária dos direitos de uso e habitação sobre bem imóvel localizado em São Paulo,por ato não oneroso, constitui fato gerador do ITCMD, por se tratar de transmissão de direito por doação.

Relato

1. O Consulente, pessoa física, por meio de seus advogados, informa que sua filha é proprietária de um imóvel localizado na no Município de São Paulo, o qual adquiriu de terceiros, de acordo com a matrícula do imóvel, em fevereiro de 2005. Informa também que sua filha pretende instituir o direito real de habitação sobre o referido bem em favor de seus genitores, isto é, do Consulente e de sua esposa.

2. Esclarece que o contrato estabelecerá que o Consulente e sua esposa poderão habitar gratuitamente o imóvel, enquanto viverem, sem qualquer tipo de contraprestação à proprietária. Contudo, para prosseguirem com a assinatura e registro desse contrato, gostariam de dirimir dúvidas quanto à possível incidência de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD).

3. Cita o inciso I do artigo 155 da Constituição Federal, o qual prevê que o ITCMD incide sobre a transmissãocausa mortise doação de quaisquer bens ou direitos, bem como expõe que o uso e a habitação de imóvel são direitos reais previstos nos incisos V e VI do artigo 1.225 do Código Civil. Sustenta que a Lei nº 10.705/2000 não dispõe claramente sobre a incidência do imposto em operações dessa natureza, pois apenas dispõe sobre tal incidência na transmissão de propriedade ou domínio útil de bem imóvel, situado no Estado de São Paulo, e de direito a ele relativo.

4. Em que pese a possível interpretação do Fisco Estadual pela incidência do imposto nessa operação, sustenta que nem a doutrina nem a jurisprudência admitem essa cobrança. Alega, então, que a cessão do direito real de habitação não configura transmissão de bem ou de direito, uma vez que, em seu entendimento, (i) não há transmissão de propriedade, mas sim uma garantia do direito à moradia e (ii) não há transmissão de um direito, mas apenas o reconhecimento do direito de habitar o imóvel.

5. Ao final, indaga se incide ITCMD sobre a cessão de direito real de uso ou de habitação de bem imóvel localizado no Estado de São Paulo.

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Interpretação

6. Inicialmente, convém anotar que o Consulente não trouxe cópia da minuta do contrato a ser firmado com sua filha, sendo que no decorrer da consulta formulada fez referência ao direito real de habitação, mas sua pergunta final tratou dos direitos reais de uso e de habitação.

7. De todo modo, cumpre-nos esclarecer que, em verdade, os direitos reais de uso e de habitação não se diferenciam substancialmente do usufruto, distinguindo-se dele pela intensidade ou profundidade do direito: enquanto o usufrutuário aufere toda a fruição da coisa, ao usuário não é concedida senão a utilização reduzida aos limites das necessidades. Na mesma linha, o direito real de habitação é considerado uma fração ainda menor do usufruto, possibilitando apenas que os seus titulares residam no imóvel com sua família, sem que possam usá-lo para outros fins que não a própria residência (art. 1.414 do Código Civil). Diante disso, os direitos de uso e de habitação têm sido considerados pela doutrina como um usufruto limitado, como diminutivos do usufruto, ou ainda como um usufruto em miniatura.

8. Faz-se mister, nesse ponto, reproduzir trechos dos ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, Ed. Forense, 25ª ed., vol. IV, pág. 267, 280-282), para o enfrentamento desse tema:

Neste capítulo, reunimos três tipos de direitos reais de gozo ou fruição, que o Código Civil de 2002 destaca, segundo a conceituação romana: usufruto (usus fructus), uso (usus) e habitação (habitatio). Em verdade, não tem mais cabimento separá-los, senão por amor à tradição histórica, de vez queo uso não passa de modalidade mais restrita de usufruto, e a habitação reduz-se à especialização do uso em função do caráter limitado da utilização.

(...)

Uso.O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quando o exigirem as necessidades pessoais suas e de sua família (art. 1.412). No que diz respeito às necessidades pessoais, deve-se ter em consideração a condição social do usuário, bem como o lugar onde vive.Em verdade, o direito real de uso não se diferencia substancialmente do usufruto, distinguindo-se dele pela intensidade ou profundidade do direito: enquanto o usufrutuário aufere toda a fruição da coisa, ao usuário não é concedida senão a utilização reduzida aos limites das necessidades.Isto leva os autores a dizer que o uso e a habitação constituem um usufruto limitado ou diminutivos do usufruto, ou ainda que são um usufruto em miniatura.

(...)

Habitação.O titular desse direito pode usar a casa para si, residindo nela, mas não alugá-la nem emprestá-la. E se for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que a ocupar estará no exercício de direito próprio, nada devendo às demais a título de aluguel. Como são iguais os direitos, a nenhum será lícito impedir o exercício do outro ou dos outros.

(...)

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8.1. Ainda segundo ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, Ed. Forense, 25ª ed., vol. IV, pág. 95), os atributos, tais como o direito de usar, gozar e de dispor da coisa, intrínsecos à propriedade, podem se concentrar em pessoas distintas, quando ocorre o desmembramento desses direitos, transferindo-se a outrem uma dessas faculdades, como na constituição do direito real de usufruto, ou de uso, ou de habitação.

9. No mesmo sentido, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Neto (Manual de Direito Civil - Volume Único, Ed. JusPodivm, 6ª ed., pág. 1.022) esclarecem que a propriedade não é o retrato material do imóvel com as características físicas, mas a feição econômica e jurídica que a representa formalmente, mencionando também que somente na propriedade plena é possível observar que o direito de propriedade e todos os poderes do domínio se concentram em uma só pessoa, uma vez que os direitos de uso, gozo e disposição são passíveis de desmembramento.

9.1. Dessa forma, esclarecem os referidos autores que é plenamente possível que os direitos de uso e fruição sejam desmembrados e transmitidos a terceiros, apesar de a propriedade remanescer com o seu titular, constituindo-se direito real em coisa alheia, hipótese em que o proprietário sofre redução na sua esfera de domínio, na medida em que alguém passa a titularizar um novo direito real (op. cit., pág. 1.141 e 1.142).

10. Nesse ponto, é importante lembrar que a Lei 10.705/2000, que instituiu o ITCMD no Estado de São Paulo, em conformidade com o disposto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, dispõe que o imposto incide sobre as transmissões decorrentes de doação de qualquer bem ou direito (artigo 2º, caput e inciso II). Assim sendo, a sujeição ao ITCMD, no caso de instituição de um direito real em coisa alheia, dependerá, necessariamente, da possibilidade de estar caracterizada a hipótese de doação.

11.A doação é um ato de liberalidade pelo qual o doador transfere algo de seu patrimônio, subtraindo-o, em favor do donatário que, consequentemente, tem seu patrimônio aumentado (artigo 538 do Código Civil). Maria Helena Diniz esclarece que é elemento fundamental que caracteriza a doação o ânimo do doador de fazer uma liberalidade (animus donandi), proporcionando ao donatário certa vantagem à custa do seu patrimônio. O ato do doador deverá revestir-se de espontaneidade (Curso de Direito Civil Brasileiro - 19ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2003 - páginas 221 e 222).

12. No caso em análise, verifica-se que a proprietária do bem imóvel objeto da dúvida pretende instituir voluntariamente os direitos reais de uso e habitação sobre o citado imóvel, a título não oneroso, para seus genitores, o Consulente e sua esposa, situação que se subsume perfeitamente à hipótese de incidência do imposto.

13. Portanto, da análise conjunta dos artigos 2º, 3º e 9º, todos da Lei 10.705/2000, resta claro que a cessão voluntária de direitos de uso e habitação, por ato não oneroso, é fato gerador do ITCMD, inserido na hipótese de incidência de que trata o artigo 2º, II c/c artigo 3º, § 1º, ambos da referida Lei, qual seja, a transmissão de direito por doação.

14. Com esses esclarecimentos, consideramos respondidas as dúvidas do Consulente.

Nota:

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Base Legal: Resposta à Consulta nº 26.005, de 31/03/2023.

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