Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.

Resposta à Consulta nº 22.231, de 04/11/2020

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 22231/2020, de 04 de novembro de 2020.

Disponibilizado no site da SEFAZ em 05/11/2020

Ementa

ICMS - Prestação de serviço de transporte de passageiros - Contratação por plataforma eletrônica seguida de subcontratação - Incidência do ICMS.

I. A empresa responsável por manter plataforma eletrônica que presta a seus clientes o serviço de transporte de passageiros, executado por terceiros por ela subcontratados, é contribuinte do ICMS e deve emitir documento fiscal, com o destaque do ICMS para cada um dos passageiros, antes do início do transporte, nos termos previstos na legislação.

Relato

1. A Consulente, sindicato que representa empresas de transportes de passageiros no Estado de São Paulo, informa que algumas de suas empresas afiliadas estudam oferecer a seus clientes, por meio de plataforma eletrônica, viagens que não necessariamente serão por elas prestadas, mediante a contratação de prestador de serviço de fretamento de transporte de passageiros, que realiza o transporte e emite a Nota Fiscal tendo como tomadora do serviço a empresa contratante. Segundo afirma, o modelo de negócio é relativamente novo e a atividade não está, em princípio, regulada. Diante disso, passa a apresentar o modo com que essa plataforma eletrônica opera junto a prestadoras de serviço de transporte.

2. Para adquirir sua passagem, o cliente acessa a página eletrônica ou o aplicativo da empresa prestadora do serviço (filiada à Consulente), opta pela viagem que lhe convém, escolhendo data de saída e, possivelmente, data de retorno e itinerário, e realiza o depósito da quantia correspondente à reserva da passagem, valor que é recebido pela empresa operadora da plataforma eletrônica.

3. As viagens podem se realizar ou não, a depender do atingimento da quantidade mínima de passageiros interessados nos trajetos. Caso a viagem não se confirme, é concedido crédito ao cliente que efetuou o depósito. Se a viagem acontecer com um número de passageiros superior ao mínimo exigido para a sua realização, também é realizado um crédito em favor do cliente, em virtude de este ter realizado depósito que acabou por se revelar superior ao valor do custo da viagem.

4. Portanto, esclarece que o detentor da plataforma eletrônica é responsável por: (i) estabelecer o preço do serviço de transporte e cobrá-lo diretamente dos clientes; (ii) fixar as condições da viagem e definir se ela ocorrerá (dependendo do atingimento do número suficiente de passageiros interessados), concedendo crédito ao usuário na hipótese de não realização da viagem ou de o preço efetivo ser inferior ao contratado; e (iii) determinar todas as condições do contrato de prestação do serviço, sem a participação da empresa que efetivamente fará o transporte dos passageiros. O contato entre a empresa subcontratada e os passageiros ocorre somente no momento da efetiva prestação do serviço de transporte.

5. Ressalta que a proprietária da plataforma eletrônica é remunerada pelo valor total por ela cobrado dos passageiros, e não por meio do pagamento de percentual sobre o valor do serviço, e deve arcar com o valor a ser transferido ao prestador do serviço de fretamento de transporte de passageiros previamente contratado (valor fixo).

6. A Consulente expõe que, embora a atividade desenvolvida pelo detentor da plataforma eletrônica aparente ser, em princípio, uma prestação de serviço de transporte cuja execução é realizada por meio de subcontratação, há dúvida sobre se tal entendimento é correto, sobretudo porque seria possível caracterizar a atividade como intermediação de negócios. Em caso similar, mas não idêntico, a Consulente cita o caso do transporte individual de passageiros oferecido por meio de aplicativo, que, segundo afirma, foi considerado pelo Supremo Tribunal Federal (RE 1.054.110/SP) como intermediação de negócios. Os dois casos divergem especialmente quanto à prévia fixação do valor a ser pago ao terceiro que materialmente realiza o transporte dos passageiros, já que, na situação narrada na consulta, o valor não possui necessariamente vinculação com aquele cobrado dos passageiros pela empresa responsável pela plataforma eletrônica.

7. A Consulente acrescenta que, tendo em vista que a detentora da plataforma eletrônica realizará a promoção de venda de viagens a passageiros e contratará terceiros para realizar o efetivo transporte dos passageiros, nos termos descritos, tem dúvida quanto ao correto enquadramento da atividade descrita - se ela se caracteriza como prestação de serviço de transporte mediante subcontratação, nos termos do artigo 4º, inciso II, alínea "e", do Regulamento do ICMS (RICMS/2000), ou se como prestação de serviço de intermediação, que é sujeita ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).

8. Por fim, questiona ainda se, na hipótese de a atividade se caracterizar como serviço de intermediação, a empresa intermediadora deve ser responsável por exigir da empresa de fretamento a emissão de documento fiscal com destaque do ICMS.

Interpretação

9. De partida, observa-se que esta resposta não examinará se o modelo de negócio descrito pela Consulente está de acordo com as normas regulatórias que envolvem a prestação do serviço de transporte de passageiros na modalidade de fretamento, sob pena de invasão de competência da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP).

10. Ademais, a análise feita a seguir levará em consideração exclusivamente as informações fornecidas nesta consulta, que foi formulada por entidade sindical que tem interesse indireto na situação relatada, já que não é ela - e, atualmente, nem seus associados - a detentora da plataforma eletrônica cujo modelo de operação foi descrito.

11. Na lição de Bernardo Ribeiro de Moraes (Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços. 1ª ed. São Paulo: RT, 1975, págs. 306 e 307):

"Intermediação é palavra indicativa do modo de operar da pessoa. Intermediário é quem exerce a aproximação entre duas ou mais pessoas que desejam negociar. É também conhecida como corretagem, contrato pelo qual uma pessoa se obriga, mediante remuneração, aproximar as partes para a conclusão de um negócio. O intermediário ou corretor não aplica capital próprio para a realização do negócio. É simples intermediário entre as partes contratantes. (...)

A intermediação ou mediação tem certas características, visto a natureza sui generis da atividade, que devem ser lembradas, a fim de melhor a entendermos e a diferenciarmos dos demais contratos. Já dissemos:

a) Na mediação, o objeto do contrato é o resultado útil do serviço prestado, o evento conseguido com o trabalho do mediador. Ao comitente, interessa o resultado da tarefa, ou melhor, que o mediador consiga o terceiro que preencha as condições da opção;

b) Na mediação, há o caráter incerto da remuneração de quem presta o serviço (...);

c) Na mediação, o mediador não se acha preso ao comitente por vínculo de subordinação (...);

d) Na mediação, o mediador não age em nome do comitente, não o representa e nem o substitui. Atua o intermediário em nome próprio, uma vez que a opção não se identifica com a procuração (...);

e) Na mediação, o mediador não é parte no negócio. Não contrata e nada conclui. Simples intermediário, limita-se ele a aproximar as partes e provocar o seu ajuste, conduzindo-as ao fechamento do negócio." (grifo nosso)

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12. Da lição transcrita, depreende-se que o intermediário não toma parte no negócio, não figura no contrato e não assume responsabilidade pelo bem ou serviço comercializado, restringindo-se a aproximar as partes interessadas.

13. Pela descrição fornecida pela Consulente a respeito das características do serviço, é possível afastar a existência de mera intermediação, pois o detentor da plataforma eletrônica, mais que apenas intermediador, estabelece o preço cobrado dos usuários que é repassado aos efetivos prestadores do serviço, determina se o transporte será prestado e fixa as demais condições do contrato, assumindo a responsabilidade pela realização da viagem. Do relato, também se depreende que o pagamento realizado pelo usuário é feito diretamente ao titular da plataforma eletrônica, tendo em vista que: (i) no momento desse pagamento não há a definição de qual será a transportadora responsável pela prestação do serviço, sequer se essa, de fato, ocorrerá; e (ii) o eventual reembolso ao usuário poderá ser realizado por meio de créditos concedidos pelo detentor da plataforma eletrônica, e não pela transportadora de fato por meio da devolução do valor pago.

13.1. Ademais, o contato entre o transportador subcontratado e os passageiros ocorre somente no momento do embarque, ao passo que a pactuação da prestação do serviço de transporte, anterior à realização material do translado, é feita exclusivamente entre o titular da plataforma e o transportador subcontratado, sem a participação dos passageiros na escolha do agente fretador, na negociação dos termos da subcontratação e no preço a ser pago ao subcontratado, que é remunerado, conforme relato, por valor fixo previamente acordado com o titular da plataforma e independentemente do número de passageiros.

14. Do ponto de vista do consumidor, para que o negócio jurídico seja celebrado e o detentor da plataforma se veja obrigado a prestar, mesmo que por terceiros, um serviço de transporte, basta que o cliente aceda às condições contratuais estabelecidas na plataforma e que escolha um trajeto, uma data e realize o pagamento, de modo totalmente independente da anuência do prestador material do serviço de transporte, que, até esse momento, é figura indeterminada a ser escolhida pelo titular da plataforma entre as opções disponíveis no mercado e que, portanto, ainda não compõe a relação contratual.

15. Nesse ponto, considera-se oportuno anotar que o objeto do RE 1.054.110/SP não foi a análise da natureza da prestação de transporte remunerado privado de passageiros realizado por plataformas digitais, mas a constitucionalidade de lei municipal que visava a regulamentação e fiscalização desse tipo de prestação de serviço.

16. Em prosseguimento, na dicção do artigo 730 do Código Civil: "Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas."

17. Em harmonia com a norma transcrita, para fins do ICMS, este órgão Consultivo já se manifestou reiteradas vezes no sentido de que o prestador do serviço de transporte é aquele que assume a responsabilidade pela movimentação de cargas ou pessoas, do momento do embarque ao da entrega, podendo, para tanto, utilizar seus próprios meios ou o serviço de terceiros (como exemplos, citam-se as Respostas às Consultas Tributárias 17727/2018, item 6.1; 17147/2018, itens 12 e 13; 5200/2015, itens 3.1 a 3.3; e 1928/2013, item 7). Não é sequer necessário que o prestador do serviço de transporte, para ser considerado como tal, detenha os meios de realizar materialmente e por si o transporte a que se veja impelido a prestar por força de vínculo obrigacional. Nesses termos, o essencial para a configuração como transportador é ser o responsável pelo transporte, ainda que não disponha dos meios físicos para a sua execução.

18. Essa lógica é sustentada pela própria legislação do ICMS, cujo regulamento paulista prevê, no inciso II de seu artigo 4º, que a subcontratação do serviço de transporte é "aquela firmada na origem da prestação do serviço, por opção do prestador de serviço de transporte em não realizar o serviço por meio próprio". Portanto, sua existência já pressupõe a ocorrência de duas prestações de serviço de transporte, cada qual num contrato distinto (item 3 da Decisão Normativa CAT 1, de 26-04-2017).

19. Assim na subcontratação, embora no mundo físico ocorra somente um transporte, diante da existência de duas relações jurídicas distintas, cujo objeto é a prestação de um serviço de transporte, consideram-se existentes, sob o prisma do direito, duas prestações diferentes de serviço de transporte, cada qual com suas consequência jurídicas, inclusive no que tange ao ICMS.

20. A configuração do serviço descrito pela Consulente aponta justamente para esse instituto, com a existência de dois vínculos jurídicos distintos, cujo conteúdo, em ambos os casos, se resume à prestação de um serviço de transporte: um, formado entre cada cliente e o titular da plataforma eletrônica; e outro, formado entre este e o prestador do serviço de fretamento de transporte de passageiros (subcontratação).

21. Ante todo o exposto, ao confrontar os contornos fáticos da prestação desse serviço descritos pela Consulente (itens 2 a 5) com os aspectos normativos e doutrinários que envolvem a matéria, conclui-se que a prestação habitual de serviço de transporte intermunicipal e interestadual iniciado no estado de São Paulo, contratada por meio de plataforma eletrônica, na forma descrita nesta consulta, configura hipótese de incidência do ICMS. Dessa forma, a pessoa jurídica detentora da plataforma deverá se inscrever no Cadastro de Contribuintes do Estado de São Paulo (CADESP), na condição de contribuinte, e cumprir as obrigações principal e acessórias determinadas pela legislação paulista do imposto (artigo 19, inciso II, do RICMS/2000), referentes a cada prestação do serviço.

22. Com esses esclarecimentos, consideram-se dirimidas as dúvidas formuladas.

Nota:

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Base Legal: Resposta à Consulta nº 22.231, de 04/11/2020.

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