Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.

Resposta à Consulta nº 22.028, de 19/08/2020

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 22028/2020, de 19 de agosto de 2020.

Disponibilizado no site da SEFAZ em 20/08/2020

Ementa

ITCMD - Integralização de capital com transferência de imóveis do patrimônio dos sócios para sociedade limitada.

I. A transferência de imóveis do patrimônio dos sócios para a sociedade limitada para integralização do capital social da empresa não é hipótese de incidência prevista na legislação do ITCMD.

II. Quando verificada na situação concreta a utilização formal de atos e negócios jurídicos estruturados desprovidos de essência negocial ou ainda, eivados de vícios para encobrir materialmente outros, de natureza diversa, para, assim, suprimir o real fato gerador da obrigação tributária, então, esses negócios poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativa.

Relato

1. O Consulente, oficial de registro de imóveis, relata que lhe foi apresentada para conferência cópia simples do instrumento particular de constituição de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, cuja integralização do capital se deu predominantemente na forma de bens móveis e imóveis.

2. Acrescenta que a sociedade foi constituída pelo pai e três filhos, sendo que o pai integralizou as suas quotas, pelo valor de R$ 2.872.000,00, por meio de três imóveis urbanos situados na cidade e comarca onde está estabelecido o oficial de registro, e três imóveis rurais localizados no Estado do Mato Grosso do Sul, além de maquinários, gado, etc.; e os filhos integralizaram as suas quotas em moeda corrente, no valor de R$ 200,00, cada um, perfazendo o total do capital social em R$ 2.872.600,000.

3. A título de exemplo, informa que um dos imóveis urbanos foi integralizado pelo valor de R$ 90.810,23, enquanto na guia de isenção do ITBI, expedida pela Prefeitura do Município, constou que foi avaliado em R$ 1.200.000,00.

4. Expõe que em ofício encaminhado ao registro de imóveis pela Secretaria da Fazenda e Planejamento, no âmbito do programa "Nos Conformes", instituído pela Lei Complementar 1320/2018, consta que deverá verificar o recolhimento do ITCMD (ou ocorrência da isenção) em todos os registros nos quais se verifique a ocorrência de doação, inclusive relativamente à integralização de capital na forma de bens ou direitos cujo valor de mercado supere o valor patrimonial das quotas correspondentes.

5. Dessa forma, como a orientação foi para que a serventia verificasse a ocorrência ou não da incidência do ITCMD, e, nesse caso específico, nota-se um valor de avaliação do imóvel bem superior ao que foi oferecido para integralização das quotas, o Consulente indicou que quando da realização do ato de registro seria necessária a apresentação da guia de recolhimento ou prova de isenção do imposto devido, entretanto o advogado da parte interessada entende que o momento da prova do recolhimento do imposto seria em ato posterior, ou seja, quando da transferência das quotas do pai para os filhos, por ocasião de uma possível doação das quotas ou transmissão causa mortis.

6. Diante do exposto, persistindo a discordância acerca do momento do recolhimento do imposto, no caso da apresentação do título original para qualificação e registro, ao elaborar uma "Nota de Devolução", indaga em qual dispositivo da Lei 10.705/2000 deveria fundamentá-la, como indicação da exigência do referido imposto, já que diz não ter vislumbrando na lei o fundamento dessa exigência.

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Interpretação

7. Inicialmente cumpre esclarecer que, a princípio, a transferência de imóveis do patrimônio dos sócios para a sociedade limitada para integralização do capital social da empresa não é hipótese de incidência prevista na legislação do ITCMD.

8. Contudo, ressalta-se que, na hipótese de integralização de capital acima do valor que cabe a cada sócio, sem o correspondente reflexo em sua participação na sociedade, esta Consultoria Tributária entende que pode haver doação de bens ou direitos, portanto sujeita à incidência do ITCMD.

9. Para melhor explicar esse último item, passamos a um exemplo:

9.1. Dois senhores, A e B, proprietários de um imóvel (na proporção de 50% cada um), com valor de mercado de R$ 500.000,00 e valor histórico (constante das declarações de Imposto sobre a Renda) de R$ 200.000,00 resolvem, juntamente com um terceiro, C, constituir uma sociedade limitada. Para tanto, estabelecem no contrato social que o capital da empresa, formado por 300 mil quotas (com valor de R$ 1,00 cada quota) será realizado mediante a integralização do referido imóvel, por parte dos dois senhores, A e B, e por R$ 100.000,00 em dinheiro integralizado por C. As quotas serão divididas da seguinte maneira: 100 mil quotas para cada sócio.

9.2. Pode-se perceber, nesse caso, que:

9.2.1. Houve integralização do imóvel pelo valor histórico (permitida pelo artigo 23 da Lei 9.249/1995).

9.2.2. O valor (de mercado) das quotas resultantes da incorporação do imóvel ao capital social não é igual ao valor de mercado do imóvel integralizado. A empresa, que não tem nenhum passivo, possui como ativos um imóvel de valor R$ 500.000,00 e R$ 100.000,00 em dinheiro, somando R$ 600.000,00 de valor de mercado. As quotas sociais pertencentes aos senhores A e B estão registradas por R$ 200.000,00, no entanto, possuem valor de mercado de R$ 400.000,00.

9.2.3. O terceiro C, que integralizou o valor de R$ 100.000,00 em dinheiro, passou a ser proprietário de quotas sociais registradas pelo valor de R$ 100.000,00, mas que possuem valor de mercado de R$ 200.000,00.

9.3. Os senhores A e B possuíam um patrimônio de R$ 250.000,00 cada um (metade do imóvel que possuía valor de mercado de R$ 500.000,00) e com a constituição da empresa, nos termos estabelecidos, passaram a ter um patrimônio de R$ 200.000,00 cada um, representado por 100.000 quotas do capital social da empresa. As 100.000 quotas, conforme indicamos, estão registradas por R$ 100.000,00 reais, mas possuem valor de mercado de R$ 200.000,00 (33,33% do valor total de mercado da empresa, que é de R$ 600.000,00). É evidente que ambos sofreram um prejuízo patrimonial da ordem de R$ 50.000,00 cada um.

9.4. O terceiro C, por outro lado, sofreu um acréscimo patrimonial de R$ 100.000,00, uma vez que integralizou o valor de R$ 100.000,00 em dinheiro para a constituição da empresa e passou a ser titular de 100.000 quotas do capital social que, conforme indicamos, possuem valor de mercado de R$ 200.000,00.

9.5. No presente caso é possível se vislumbrar todos os elementos que caracterizam a doação, quais sejam:

9.5.1. Natureza contratual (existe um contrato social para constituição da entidade, que modifica direitos patrimoniais dos contratantes).

9.5.2. Aceitação (todos assinam o contrato de comum acordo).

9.5.3. Transferência patrimonial (os sócios A e B sofrem prejuízo patrimonial de R$ 50.000,00 cada um ao passo em que o sócio C tem um acréscimo patrimonial de R$100.000,00).

9.5.4. Animus donandi (os sócios têm a faculdade de integralizar o imóvel pelo valor de mercado ou pelo valor histórico. Optando pelo valor histórico sem exigir quaisquer contrapartidas que compensem seu prejuízo patrimonial estarão praticando um ato de liberalidade).

9.5.5. Se fizerem pelo valor histórico e receberem uma compensação financeira de R$ 50.000,00 cada um, do terceiro C, não há que se falar em doação, visto não ter havido nem prejuízo patrimonial, nem liberalidade. Se fizerem a integralização pelo valor de mercado, por sua vez, não haverá prejuízo patrimonial.

10. Nota-se, assim, que, sem o correspondente reflexo nas quotas do sócio integralizador, o valor do imóvel que ultrapassa o valor pelo qual ele é integralizado acaba por se configurar como uma transferência voluntária (doação) do patrimônio dos sócios integralizadores para o outro sócio, caracterizando-se, portanto, como hipótese de incidência do ITCMD.

11. Com efeito, não se pode perder de vista a possibilidade da utilização do instituto da integralização de capital social e da doação (regulados pelo direito civil e empresarial), para ocultar ou simular negócios jurídicos com objetivo de se esquivar do pagamento de tributos. Nessa situação, de acordo com o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, a autoridade fiscal está autorizada a desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Consequentemente, quando verificada na situação concreta a utilização formal de atos e negócios jurídicos estruturados desprovidos de essência negocial ou ainda, eivados de vícios para encobrir materialmente outros, de natureza diversa, para, assim, suprimir o real fato gerador da obrigação tributária, então, esses negócios poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativa, para que haja a autuação de acordo com o fato gerador materialmente praticado.

12. Ressaltamos que, em que pese este órgão consultivo, vinculado à Coordenadoria da Administração Tributária, ser parte integrante do sistema de fiscalização tributária da Secretaria da Fazenda e Planejamento, destaca-se que o instituto da consulta se apresenta como meio impróprio para confirmação da necessidade de pagamento do ITCMD, em face de caso concreto, devendo o Consulente, em caso de dúvida, buscar orientação no Posto Fiscal a esse respeito, apresentando a situação de fato e os documentos pertinentes, com todas as informações necessárias para que a situação fática seja analisada.

13. Por fim, em função do período atual da crise de saúde, sugerimos a leitura da Portaria CAT 34/2020, que dispõe sobre o atendimento não presencial, por meios remotos de prestação de serviços, no âmbito da Secretaria da Fazenda e Planejamento, em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19).

Nota:

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Base Legal: Resposta à Consulta nº 22.028, de 19/08/2020.

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