Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.
Disponibilizado no site da SEFAZ em 30/10/2020
ICMS - Secagem de grãos para terceiro - Incidência.
I. A atividade de secagem de grãos (beneficiamento), se executada sobre mercadorias de terceiro, destinadas a posterior comercialização ou industrialização pelo autor da encomenda, sujeita-se à incidência do imposto estadual.
1. A Consulente, tendo por atividade principal a "fabricação de álcool (CNAE - 19.31-4/00)", relata que está interessada em iniciar, como segunda atividade, a de comércio atacadista de produtos agrícolas, tais como milho, soja, feijão e sorgo.
2. Em decorrência desta segunda atividade, afirma que utilizará máquinas e insumos (secadores e lenha) para realizar a secagem desses produtos agrícolas. Acrescenta que poderá, também, prestar, de forma onerosa, o serviço de secagem artificial para produtores rurais que não dispõem de tais maquinários e que dependem da secagem artificial visto que somente com a secagem natural podem não obter o resultado no tempo e nível de umidade desejados.
3. Informa que os documentos fiscais relativos à prestação do serviço de secagem de grãos são emitidos da seguinte forma: (i) uma Nota Fiscal de remessa pelo produtor rural; (ii) uma Nota Fiscal Eletrônica - NF-e de entrada, pela sua empresa; e, (iii) após a secagem, uma NF-e de retorno da mercadoria com destino ao produtor rural.
4. Todavia, afirma ter dúvidas se a prestação de serviço de secagem é hipótese de incidência do ICMS ou do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN.
5. Nesse contexto, indaga se:
5.1. Deve emitir uma Nota Fiscal de prestação de serviço de secagem com base no item 14.05 da Lei Complementar 116/2003 e recolher o ISSQN; ou
5.2. Deve emitir uma NF-e de prestação de serviço de secagem com base no artigo 402 do RICMS/2000 e Portaria CAT 22/2007 (artigo 1º, item 1), por se tratar de industrialização (beneficiamento) por conta de terceiro, sendo o encomendante produtor rural; mesmo que não exista explicitamente a secagem como modalidade de industrialização prevista no artigo 4º, inciso I, alíneas "a" até "e" do RICMS/2000.
6. Tendo vem vista o relato apresentado, entende-se que a Consulente não presta um serviço sobre bem pertencente a usuário ou consumidor final, mas promove beneficiamento em mercadoria de contribuinte do ICMS, por sua conta e ordem. E o produto resultante dessa industrialização é objeto de posterior comercialização pelo autor da encomenda. Ademais, para efeito dessa resposta, assumiremos que tanto o estabelecimento da Consulente como os eventuais encomendantes estão localizados no Estado de São Paulo.
7. Salienta-se que a matéria em questão já foi analisada por esta Consultoria Tributária em diversas ocasiões, como nas Respostas às Consultas CT 21231/2020, 16431/2017, todas disponíveis no sítio desta Secretaria da Fazenda e Planejamento (www.portal.fazenda.sp.gov.br), através do caminho "Legislação Tributária/Respostas de Consultas".
8. Com efeito, é notório que a Constituição Federal, em linhas gerais, repartiu entre os entes federativos a competência da tributação sobre o consumo em função da etapa do ciclo econômico em que a atividade se encontra: industrial (União); comercial (Estados e Distrito Federal); e prestação de serviços (Municípios e Distrito Federal).
9. Nesse contexto, especificamente no que tange ao ICMS, ele incide sobre as "operações relativas à circulação de mercadorias", que fundamentalmente são aquelas operações que impulsionam a mercadoria da fonte produtora ao consumidor final. Tais operações implicam a obrigação de dar (a mercadoria), mas, no entanto, em algum momento da cadeia produtiva, pode surgir, concomitantemente ou não, uma "obrigação de fazer", sem que isso altere a natureza da operação.
10. Diante disso, a mesma atividade realizada - com ou sem emprego de materiais - pode constituir uma operação de industrialização voltada à mercancia (ICMS) ou uma prestação de serviço (ISSQN). Na verdade, o fato de determinada atividade constar na Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 como prestação de serviço sujeita ao ISSQN, por si só, não inviabiliza que essa atividade seja, de fato e de direito, apenas uma etapa do ciclo de produção e comercialização da mercadoria e, dessa forma, estar sob a incidência do ICMS (artigo 2º, inciso III, alínea "a", do RICMS/2000).
11. Negar essa constatação e querer tributar por ISSQN o fornecimento de uma atividade, ainda que imaterial, envolta no ciclo produtivo, é ofender a não cumulatividade. Isso porque o imposto pago sobre o serviço seria agregado ao custo de produção e de comercialização subsequentes, onerando-o, sem a possibilidade de compensação, portanto, em nítido descompasso com o objetivo constitucional.
12. Sendo assim, a destinação da mercadoria sobre a qual é executada a atividade é elemento determinante para identificar a etapa do ciclo econômico em que essa atividade se localiza e, desse modo, é também um dos elementos fundamentais para se estabelecer a incidência do imposto competente.
13. Essa mesma linha de entendimento é atualmente seguida pelo Supremo Tribunal Federal nas decisões sobre o tema de industrialização por encomenda, como pode ser observado nas seguintes decisões: (i) AI nº 803.296/SP-AgR, transitado em julgado em 09/04/2019; e (ii) RE nº 606.960/ES-AgR, transitado em julgado em 16/12/2014 - cujas ementas são bastante elucidativas, motivo pelo qual transcreve-se os seguintes excertos:
"1. Em precedente da Corte consubstanciado na ADI nº 4.389/DF-MC, restou definida a incidência de ICMS "sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria.
2. A verificação da incidência nas hipóteses de industrialização por encomenda deve obedecer dois critérios básicos: (i) verificar se a venda opera-se a quem promoverá nova circulação do bem e (ii) caso o adquirente seja consumidor final, avaliar a preponderância entre o dar e o fazer mediante a averiguação de elementos de industrialização.
(...)
3. À luz dos critérios propostos, só haverá incidência do ISS nas situações em que a resposta ao primeiro item for negativa e se no segundo item o fazer preponderar sobre o dar. (AI nº 803.296/SP-AgR).
(...)
4. Na industrialização por encomenda, se o bem retorna à circulação, tal processo industrial representa apenas uma fase do ciclo produtivo da encomendante, não estando essa atividade, portanto, sujeita ao ISSQN, como é o caso dos presentes autos." (RE nº 606.960/ES-AgR)
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14. Nesse sentido, reitera-se o posicionamento desta Consultoria de que a industrialização executada sobre mercadorias de terceiro, destinadas a posterior comercialização ou industrialização, é a industrialização prevista no artigo 4º, inciso I, do RICMS/2000, sendo, nesse caso, industrialização por conta de terceiro. E, em sendo industrialização por conta de terceiro, o ICMS incide sobre essa atividade na medida em que essa industrialização está inserida no ciclo de produção e comercialização da mercadoria. Ou seja, a atividade é efetuada sobre mercadoria destinada a posterior comercialização pelo autor da encomenda e não prestação de serviço a consumidor usuário final.
15. De fato, a industrialização por conta de terceiro é uma etapa do processo produtivo em que terceiro executa atividade em mercadoria alheia que posteriormente será comercializada ou se submeterá a outro processo de industrialização. Nesse caso, a industrialização por conta de terceiro se configura como etapa do processo de circulação de mercadoria e deve ser tributada pelo ICMS.
16. Nesse contexto, e a contrário senso, para se constituir fato gerador do ISSQN, o serviço prestado deve estar elencado na lista de serviço anexa à Lei Complementar nº 116/2003 e ser executado sobre bem pertencente a usuário ou consumidor final. Portanto, é pressuposto, para a incidência do ISSQN, tratar-se de bem de terceiro, ou seja, bem de propriedade de usuário ou consumidor final.
17. Do exposto, é possível concluir que a Consulente, quando contratada para executar a atividade de industrialização, a pedido do encomendante, contribuinte do ICMS, em mercadoria que posteriormente será revendida ou submetida a outro processo de industrialização e, posteriormente, comercializada, estará executando uma etapa do processo produtivo, ou seja, uma forma de industrialização por conta de terceiro (artigo 4º, inciso I, do RICMS/2000), de modo que tais serviços sujeitam-se à incidência do ICMS.
18. Dessa forma, os procedimentos de secagem, a que são submetidos os mencionados grãos no estabelecimento da Consulente, configuram uma das modalidades de industrialização, qual seja, o "beneficiamento" (modificação, aperfeiçoamento ou, de qualquer forma, alteração do funcionamento, da utilização, do acabamento ou da aparência do produto, na previsão da alínea "b" do inciso I do artigo 4° do RICMS/2000), sobre mercadorias de produtores rurais, por conta e ordem destes, que comercializarão o produto beneficiado.
19. Feitas essas considerações sobre a atividade da Consulente, para o encomendante, faz-se necessário verificar se é possível a manutenção da condição de produtor rural nesse cenário.
20. Relativamente à secagem descrita na presente consulta, convém esclarecer que, de acordo com o inciso III do artigo 4º do RICMS/2000, considera-se em estado natural o produto tal como se encontra na natureza, que não tenha sido submetido a nenhum processo de industrialização referido no inciso I do mesmo artigo, sendo que não perde essa condição o produto "(…) que, para ser comercializado, dependa necessariamente de beneficiamento ou acondicionamento".
21. Assim, adotando como premissas as informações de que os grãos são enviados apenas para secagem no estabelecimento da Consulente, entende-se que essa operação representa uma etapa acessória do processo produtivo principal. Neste sentido, embora se admita que o produtor rural seja considerado industrializador, esta atividade de beneficiamento (secagem) só ocorre como meio essencial para a consecução da atividade-fim do contribuinte, uma vez que os grãos devem ser comercializados secos.
22. No mesmo sentido, se um estabelecimento complementa a consecução de sua atividade principal com o exercício de uma atividade secundária, esta será considerada como fazendo parte da atividade principal, mesmo que, analisada individualmente, possa ser considerada como pertencendo a um ramo econômico diferente. Ou seja, desde que o produtor não obtenha receita proveniente da execução isolada dessa atividade, entendemos que a secagem artificial dos produtos é uma atividade complementar e necessária à atividade principal de cultivo de grãos mesmo quando subcontratada.
23. Assim, em resposta à Consulente, conclui-se, que a atividade realizada é a de industrialização por conta de terceiros, encomendada por produtor rural, sujeita ao ICMS e à emissão de Nota Fiscal Eletrônica.
24. Por fim, embora não tenha sido objeto de questionamento, recorda-se que alguns dos grãos mencionados pela Consulente estão sujeitos a tratamentos tributários específicos, como é o caso, por exemplo: (i) do milho e da soja, sujeitos ao diferimento previsto no artigo 350, inciso II do RICMS/2000; (ii) e do feijão, sujeito ao diferimento previsto no artigo 348 do mesmo regulamento.
25. Sendo assim, registre-se que a tributação a ser aplicada na remessa e no retorno dos grãos dependerá da classificação e descrição de cada tipo de grão recebido, uma vez que, conforme entendimento já sedimentado desta Consultoria Tributária, não se aplicam as regras gerais de industrialização por conta de terceiro (artigos 402 e seguintes do RICMS/2000) quando os produtos envolvidos nas operações são objeto de tratamento tributário específico, como isenções ou diferimentos que possam abranger toda a cadeia produtiva.
26. Não obstante, esclarecemos que, aos casos em que não predomine tributação específica e se apliquem integralmente os artigos 402 e seguintes do RICMS/2000, não será aplicável o diferimento do imposto incidente sobre a parcela relativa aos serviços prestados, na hipótese de encomenda efetuada por produtor rural, devendo o industrializador calcular e recolher o imposto sobre o valor acrescido, conforme o disposto no artigo 1º, parágrafo único, item 1 da Portaria CAT-22/2007.27. Por fim, registre-se que havendo dúvida em relação a tributação específica a ser aplicada, a Consulente poderá retornar com nova consulta, identificando, por sua descrição e NCM, o tipo de grão que pretende beneficiar.
Nota:
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.
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