Órgão: Consultoria Tributária da Sefaz de São Paulo.
Disponibilizado no site da SEFAZ em 18/04/2020
ICMS - Operações com mercadorias digitais padronizadas - Vendas em operações com cartões físicos.
I. A disciplina prevista no Convênio ICMS 106/2017, nos artigos 478-A e 478-B do RICMS/2000 e na Portaria CAT 24/2018 é aplicável somente aos casos de operações com bens e mercadorias digitais comercializadas mediante transferência eletrônica de dados. Nesses casos, a compra e venda da mercadoria digital é totalmente realizada em ambiente virtual e a disponibilização da mercadoria ocorre exclusivamente por meio da internet.
II. Às operações nas quais um estabelecimento físico oferta e vende mercadoria digital, realizando a sua entrega por meio de cartão físico que torna a mercadoria disponível ao adquirente, não é aplicável a disciplina prevista no Convênio ICMS 106/2017, já que nesses casos apenas o uso do bem digital é realizado por transferência eletrônica de dados (por download ou em nuvem).
III. Nas vendas de bens digitais entregues ao adquirente por meio de cartões físicos, o titular do estabelecimento físico que comercializa os cartões é o contribuinte do ICMS e deve emitir documentos fiscais e cumprir as demais obrigações relativas ao imposto.
1. A Consulente, pessoa natural não contribuinte do ICMS, relata que realizou, em estabelecimento varejista localizado no município de Santos, a aquisição de um cartão que possui um código que permite o acesso a jogos online através de plataforma eletrônica.
2. Informa que, na ocasião da aquisição do cartão, o estabelecimento não emitiu documento fiscal para documentar a operação.
3. Ante o exposto, questiona qual o tratamento tributário da saída e entrega do cartão físico - com posterior utilização online - e se tal operação enseja a obrigatoriedade de emissão de documento fiscal.
4. Importante mencionar, inicialmente, que conforme esclarece a Decisão Normativa CAT 04/2017, estão sujeitas ao ICMS as operações com softwares prontos que, uma vez desenvolvidos, são vendidos em larga escala, com pouca ou nenhuma adaptação às necessidades do consumidor que os adquire. As transações com programas de computador desenvolvidos sob encomenda, em relação aos quais há preponderância de serviços, não estão sujeitas ao ICMS, mas ao ISS.
5. Lembre-se que a Portaria CAT 24/2018 dispõe que são considerados bens e mercadorias digitais aqueles não personificados, inseridos em uma cadeia massificada de comercialização, tais como os postos à venda em meios físicos (ex. CD), cuja incidência do ICMS já foi largamente reconhecida pela jurisprudência. A título de exemplo, temos as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça: REsp 1070404/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 26/08/2008, DJe 22/09/2008 e REsp 633.405/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 24/11/2004, DJ 13/12/2004.
6. De fato, os bens digitais "de prateleira", cujas cópias eram distribuídas em larga escala em meios físicos, são atualmente negociados também em meio digital, diretamente, seja por download ou mediante utilização "em nuvem". No caso relatado pela Consulente, os bens digitais são comercializados através de estabelecimento físico regularmente constituído em território paulista, por meio de cartão que dá acesso ao software na internet.
7. Nesse passo, observe-se que com o surgimento dos bens digitais, a exclusão do atributo da corporalidade da definição de mercadoria tornou-se irrefutável. Assim, mercadorias são os bens - corpóreos ou incorpóreos - que sejam comercializados ou adquiridos como produto de consumo, por sua finalidade e/ou funcionalidade. Vale dizer, o que dá a um bem status de mercadoria é sua inserção em uma cadeia mercantil, entendida como aquela que destina bens, ainda que imateriais, da produção ao consumo, mediante a agregação de valor econômico. O fato desses bens intangíveis, em razão do recente avanço tecnológico, não mais requererem um invólucro físico para sua comercialização não lhes retira a natureza de mercadoria, cujas operações estão sujeitas à incidência do ICMS.
8. A comercialização de bens digitais, incorpóreos, pode ser realizada tanto por meio de estabelecimentos virtuais (sites e outras plataformas eletrônicas) como por meio de estabelecimentos físicos. De todo modo, o fato gerador do ICMS nas operações com mercadorias digitais ocorre com a saída da mercadoria, assim considerada a sua disponibilização ao adquirente.
9. Nas situações em que o bem digital é comercializado mediante transferência eletrônica de dados, em um site ou plataforma eletrônica, esta Consultoria Tributária já esclareceu que, em razão da ubiquidade, qualidade inerente aos estabelecimentos virtuais, considera-se que o fornecedor está presente em toda parte onde as mercadorias são ofertadas, vendidas ou entregues aos consumidores finais. Foi justamente essa a premissa adotada pelo Convênio ICMS 106/2017, conforme se depreende de sua cláusula quarta, transcrita a seguir:
"Cláusula quarta A pessoa jurídica detentora de site ou de plataforma eletrônica que realize a venda ou a disponibilização, ainda que por intermédio de pagamento periódico, de bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados, é o contribuinte da operação e deverá inscrever-se nas unidades federadas em que praticar as saídas internas ou de importação destinadas a consumidor final, sendo facultada, a critério de cada unidade federada:" (grifos nossos).
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10. Entendemos, contudo, que a comercialização se dá por "transferência eletrônica de dados", aplicando-se tal regramento, quando houver a "contratação interativa" do bem ou mercadoria digital, compreendida como "aquela que resulta da comunicação entre uma pessoa e um sistema previamente programado com o qual o usuário da rede interage quando acessa um website" (Santos, Manoel J. Pereira dos. Responsabilidade civil dos provedores de conteúdo pelas transações comerciais eletrônicas. In: Silva, Beatriz Tavares da; Santos, Manoel J. Pereira dos (Orgs.). Responsabilidade civil na internet e nos demais meios de comunicação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.82). Nesses casos, a compra e venda da mercadoria digital é totalmente realizada em ambiente virtual e a disponibilização da mercadoria ocorre exclusivamente por meio da internet.
11. Da mesma forma, o disposto nos artigos 478-A e 478-B do RICMS/2000 restringe-se aos casos de comercialização de bens digitais realizada por sites e outras plataformas eletrônicas, por meio de transferência eletrônica de dados:
Artigo 478-A - Tratando-se de saídas com bens ou mercadorias digitais realizadas pelo estabelecimento a que se refere o inciso IV do artigo 16 deste Regulamento, por meio de transferência eletrônica de dados, destinadas a consumidor final, o imposto deverá ser recolhido, quando da referida transferência, a favor da unidade federada onde estiver domiciliado ou estabelecido o adquirente, na forma e condições estabelecidas pela Secretaria da Fazenda (Lei 6.374/89, artigos 1º, 2º e 23).
Artigo 478-B - A Secretaria da Fazenda poderá estabelecer procedimento simplificado para a inscrição dos estabelecimentos que comercializem exclusivamente mercadorias digitais, assim como poderá conceder regimes especiais com o objetivo de facilitar ao contribuinte o cumprimento das obrigações fiscais, tais como a emissão de documentos e a escrituração de livros fiscais (Lei 6.374/89, artigo 71). (grifo nosso)
12. Assim, para aplicação dos dispositivos acima transcritos, é necessário que a mercadoria seja impulsionada em direção ao consumo "por meio de transferência eletrônica de dados" (contratação interativa). Nessas hipóteses, em regra, no próprio site ou plataforma eletrônica há a oferta da mercadoria digital, o consumidor a adquire e a mercadoria é entregue diretamente pela internet.
13. Ainda há, porém, hipóteses em que a comercialização de softwares não é realizada por contratação interativa. Nessas situações, toda a operação, ou parte dela, não é realizada por meio de transferência eletrônica de dados a partir de site ou plataforma eletrônica, nos termos adotados pelo Convênio 106/2017.
14. É o caso da aquisição realizada pela Consulente, na qual um estabelecimento físico, regularmente constituído, oferta e vende a mercadoria digital, realizando a sua entrega por meio do cartão físico que torna a mercadoria disponível ao adquirente. Nesses casos, apenas o uso do bem digital é realizado por transferência eletrônica de dados (por download ou na própria nuvem).
15. Pelas razões expostas, não sendo a operação de circulação da mercadoria realizada por meio de transferência eletrônica de dados, não se aplicam as disciplinas do Convênio ICMS 106/2017 e dos artigos 478-A e 478-B do RICMS/2000.
16. Na operação em análise na presente resposta, o titular do estabelecimento físico que realizou a venda do cartão é o contribuinte do ICMS, já que é ele quem impulsiona a mercadoria digital em direção ao consumo, e não a plataforma eletrônica em que ocorrerá uso da mercadoria, por download ou em nuvem.
17. Diante do exposto, em resposta aos questionamentos formulados pela Consulente, esclarecemos que a saída de cartão físico contendo informações que tornam bens digitais disponíveis ao adquirente é operação tributada pelo ICMS, sendo o titular da loja física que comercializa os cartões o contribuinte do imposto. Em tais operações, deve ser observada a disciplina comum estabelecida para os contribuintes paulistas do ICMS, com a emissão do documento fiscal correspondente antes de iniciada a saída da mercadoria do estabelecimento (artigo 125, inciso I, RICMS/2000).
Nota:
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.
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